Estudo do Evangelho

“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!
entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”

(Mateus 7:21)

03 - EVANGELHO DE MARCOS

 

 

 

Esclareço que não sou especialista no assunto e nem alimento a pretensão de esgotá-lo. Apenas gosto de pesquisar e estudar, de tomar contato e de me inteirar de várias outras concepções, bem como compartilhar o fruto de minhas buscas e descobertas. Mas sempre apresentarei o que o Espiritismo e a sua literatura têm a dizer sobre a questão. Os livros que não pertencerem ao movimento espírita serão assim sinalizados.

 

 

 

Mateus, Marcos, Lucas e João – os Evangelhos do Novo Testamento – caracterizam-se por quatro distintos enfoques ou percepções da vida, dos ensinamentos, da morte e ressurreição de Jesus. Cada um deles, portanto, apresenta especificidades que o diferencia dos demais.

 

Marcos é o segundo e o mais curto dos livros. Contendo apenas 16 capítulos), compõe a tríade dos Evangelhos sinóticos (Mt, Mc e Lc).

 

 

Sua relevância

 

Já nos primeiros tempos do Cristianismo, o valor teológico e literário de Marcos foi relegado a um plano secundário.

 

No entanto, desde o século XIX tem crescido o seu mérito do ponto de vista crítico, sobretudo por tratar-se de um texto de fundamental importância para a compreensão de Jesus como personagem histórico (é a busca do Jesus histórico).

 

Por ser o mais antigo documento sobre a vida e a obra do Cristo, sua redação denota uma condição menos elaborada (modificada, trabalhada, alterada) que a dos outros três Evangelhos canônicos (Mt, Lc e Jo).

 

Os evidentes traços de arcaísmo* de Marcos apontam-no como sendo uma das fontes para a composição dos outros dois sinóticos (Mt e Lc).Tanto é assim que Marcos contém apenas cinco passagens (3.7-12; 4.26-29; 7.32-37; 8.22-26 e 14.51-52) e alguns versículos isolados que não constam dos evangelhos de Mateus e de Lucas.

 

(* Arcaísmo: “palavra, expressão, construção sintática ou acepção que deixou de ser us. na norma atual de uma língua [Em linguagens especiais, é comum a sobrevivência de algumas formas arcaicas (p.ex., na linguagem forense, na linguagem regional, entre locutores de idade avançada etc.); tb. podem ser utilizadas como recurso para recriar a atmosfera de uma época (p.ex., no romance histórico).]” )  [1]  

 

Dos 661 versículos, 600 estão no de Mateus e 350 no de Lucas. Por sua vez, Mateus e Lucas têm 240 versículos em comum, os quais não constam do Evangelho de Marcos. [2] p. 133

 

De John Dominic Crossan:

Os eruditos do século XIX que estudaram as conexões textuais evidentes entre os três primeiros Evangelhos – os assim chamados Evangelhos sinóticos de Mateus, Marcos e Lucas – concluíram muito consensualmente que Marcos foi a primeira fonte utilizada – e utilizada independentemente – por Mateus e Lucas. A minha própria pesquisa tem consistentemente confirmado essa conclusão. [3]  p. 85

 

 

Quem foi Marcos?

 

A tradição do século II acredita que o autor do segundo evangelho do NT tenha sido João Marcos (João do hebraico, Marcos do latim [2]), ou só João, um judeu-cristão da Palestina, filho de Maria. A passagem que corrobora tal concepção encontra-se em Atos dos Apóstolos (12.12): durante a perseguição de Herodes Agripa I (por volta do ano 44 d.C), Pedro é libertado da prisão por uma intervenção espiritual e refugia-se na “casa de Maria, mãe de João, cognominado Marcos, onde muitos estavam reunidos.[4]  

 

“João, cognominado Marcos” [4] foi também um colaborador de Paulo (At 12.25; Fm 24). Na Epístola ao Colossenses (4.10), este o identifica como sendo um “primo de Barnabé”.

 

Na primeira viagem missionária do apóstolo, Marcos o acompanha (At 12.25), porém, “aparta-se” do trabalho em Perge da Panfília e retorna a Jerusalém (13.13). Em razão dessa desistência, quando do preparo da segunda viagem missionária, Paulo e Barnabé divergem porque este queria levar outra vez “João, chamado Marcos” com eles, no que Paulo enfaticamente se opõe (At 15.36-40). Este impasse ocasiona um rompimento entre os dois e Paulo segue viagem levando somente Silas. Porém, sem desistir de “João, chamado Marcos”, Barnabé segue para o Chipre, levando-o consigo (At 15.39).

 

Entretanto, mais à frente, tudo indica a reconciliação dos envolvidos. Na Segunda Epístola a Timóteo (4.11), em seu primeiro cativeiro na cidade de Roma, Paulo pede para que Marcos fique com ele: “Toma contigo Marcos, e traze-o, pois me é útil ao ministério.” [5]

 

Ainda sem base histórica, a tradição identifica o evangelista como sendo o homem do cântaro (14.13), bem como o jovem que, enrolado em um lençol, fugiu nu quando da prisão de Jesus (14.51). Supõe-se também que o Jardim de Getsêmani lhe pertencia. [2]

 

Tem-se também que Marcos fora próximo de Simão Pedro (um dos 12 discípulos de Jesus). Em sua primeira epístola (1Pe 5.13), este assim o qualifica: "Marcos, meu filho ". [5]

 

Por conta dessa proximidade e ‘filiação espiritual’, a antiga tradição eclesiástica viu no Evangelho de Marcos uma forte influência das informações e dos ensinamentos de Pedro sobre os fatos ocorridos com Jesus. Provavelmente, Marcos também conhecera Jesus.

 

De Djalma Motta Argollo:

A tradição o faz companheiro de Pedro em Roma. É assim que Papias (de Hierápolis, escritor do início do sec. II), de acordo com Eusébio de Cesareia, sobre ele escreve: “Marcos, intérprete de Pedro, escreveu com exatidão, mas sem ordem, tudo aquilo que recordava das palavras e das ações do Senhor”. [6] p. 92

 

Uma corrente, também tradicional, faz de Marcos o fundador da comunidade cristã de Alexandria (Egito), no que muitos negam. Acredita-se que tenha sido martirizado no Egito, durante o governo de Trajano (98-117 d.C.). [6] p. 93

 

Apesar de todas as tradições e opiniões, muitos defendem que a autoria de Marcos é desconhecida.

 

De a Bíblia de Jerusalém:

Esta análise do evangelho de Mc põe de novo em questão a notícia de Pápias: Marcos teria escrito a catequese de Pedro, tal como ele a dava conforme as circunstâncias, e, portanto, sem ordem. Não seria portanto ele que teria composto um evangelho tão bem estruturado, sobretudo em sua primeira parte. Mas o problema é sem dúvida mais complexo. Constata-se com efeito em Mc duplicatas notadas há tempo. Ensinamentos de Jesus em Cafarnaum (1,21-22.27) e “em sua pátria” (6,1-2) contados em termos análogos. Dois relatos d multiplicação de pães (6,35-44; 8,1-9) seguidos pela observação de que os discípulos não compreenderam seu sentido (6.52; 8,14-20). Dois anúncios da paixão seguidos pela ordem de se tornar o servo de todos (9,31.35; 10,33-34.43). Dois relatos da tempestade acalmada (4,35-41; 6,45-52). Duas observações sobre a atitude de Jesus para com as crianças (9,36; 10.16). O Mc atual teria, portanto, ou misturado dois documentos diferentes, ou completado um documento primitivo por meio de tradições paralelas. O Mc de que fala Pápias poderia ser então um dos dois documentos de base, consideravelmente remanejado no Mc atual. [5]  p. 1699

 

 

De a WIKIPEDIA:

A maioria de estudiosos modernos do Novo Testamento acreditam que este evangelho foi escrito na Síria por um cristão desconhecido, em torno de 70 dC, utilizando várias fontes, incluindo uma narrativa da paixão (provavelmente escrito), uma coleção de milagres e histórias de Jesus (oral ou escrita), tradições apocalípticas (provavelmente escrito), além de controvérsias e ditos didáticos (alguns possivelmente escritos). Alguns dos materiais presentes no Evangelho de Marcos, no entanto, são bastante antigos, o que representa uma importante fonte de informações históricas sobre o Jesus histórico. [7]

 

 

Características de sua composição

 

Composto em grego popular, o koiné, e num estilo muito simples e rústico, o texto de Marcos revela que o autor manuseia um idioma que não lhe é próprio.

 

Muito embora ele se manifeste como um narrador que conta o que lhe chegou ao conhecimento, a vivacidade com que as situações são apresentadas e os pormenores de detalhes criam, no leitor, a impressão de estar perante uma testemunha ocular dos fatos. Exemplos marcantes dessa expressividade são o caso do possesso de Gerasa (5.1-20), o da mulher com fluxo de sangue (5.25-34) e o da filha de Jairo (5.35-43).

 

Desse modo, a sua redação apresenta um dinamismo bastante particular, com uma cadência acelerada na apresentação dos acontecimentos e milagres. Daí o uso de duas expressões para conectar um episódio a outro da vida de Jesus: “imediatamente” (1.10; 1.12; 1.18; 1.20; 1.42; 2.8; 2.12; 3.6;4.5; 4.15; 4.16; 4.17; 4.29; 5.29; 5.30; 6.25; 6.27; 6.50; 6.54; 7.25; 7.35; 5.29; 8.10; 9.15; 9.20; 9.24)  e  “logo” (1.21; 1.29; 1.30; 1.43; 6.45; 11.2; 11.3; 14.43; 14.45; 14.72;15.1)  [4].

 

Nas viagens de Jesus pela Galileia, regiões vizinhas e Judeia, por exemplo, constata-se o ritmo rápido desses deslocamentos.

 

Marcos transcreve também algumas palavras em aramaico e suas respectivas traduções, o que revela vestígios da tradição oral e proximidade com os aramaísmos* dos originais em que se baseou:

 

        3.17“Boanerges”“que significa “filhos do trovão”;”;

 

        5.41“Talithakum” “que traduzido é “Mocinha, eu te digo:

Levanta-te”.”;

 

        7.34“Ephphatᔓque é “Abra-te”.”;

 

        14.36“Abba”

De a Bíblia de Estudo Almeida: “Palavra aramaica usada pelos filhos ao se dirigirem a seus pais e que equivale a “papai”. Segundo os testemunhos existentes. Nem no AT nem no Judaísmo se usava este termo tão familiar para invocar a Deus. Na boca de Jesus, expressa uma intimidade especial com Deus.” [9] p. 84 do NT

 

        15.34“Eloi, Eloi, lema sakakhthami”“Que traduzido é:

Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonaste?” [4]  

 

(*Aramaísmo: “Qualquer aspecto linguístico, típico do aramaico, que ocorra em uma outra língua.”) [8]  

 

Outra característica é Marcos ser o único livro em que Jesus é descrito como sendo “o filho de Maria” (6.3). Nos outros Evangelhos, ela é mencionada como sendo a “mãe de Jesus”.

 

Acredita-se que tenham sido três as fontes em que o autor se baseou para compor o texto: suas lembranças, as recordações de pessoas que conviveram com Jesus e os documentos que circulavam na nascente comunidade cristã da época. [2]

 

 

Para quem foi dirigido?

 

Diferentemente de Mateus, que foi prioritariamente redigido visando os judeus, Marcos é escrito para os leitores gentios (os não-judeus) residentes fora da Palestina, sob o domínio do império romano.  Tal hipótese está alicerçada nas poucas referências ao Antigo Testamento (se comparado a Mateus) e nas inúmeras explicações quanto às localidades, expressões e aos costumes judaicos (7.1-5; 14.12; 15.42).

 

As associações de Marcos com o Antigo Testamento são:

 

        1.3 - com Isaías 40.3: preparo do “caminho do Senhor”;

 

        7.6 - com Isaías 29:13: adoração superficial dos escribas e dos fariseus, que honram a Deus apenas com os lábios;

 

        11.17 – com Isaías 56.7 e Jeremias 7:11: os cambistas haviam transformado o Templo, uma casa de oração, em local para praticarem seus abusos; 

 

        12.19 - com Deuteronômio 25.5-10: lei do levirato;

 

        12.26 - com Êxodo 3.2-6: referência à manifestação de Deus pela sarça ardente;

 

        14:27 – com Zacarias 13:7: dispersão das ovelhas quando da prisão do pastor;

 

        12:10-11 com o Salmo 118.22-23: em alusão a Jesus, que foi rejeitado pelos dirigentes religiosos de Israel.

 

 

Época de sua composição

 

Historiadores defendem que Marcos foi escrito em Roma, fundamentando esta opinião nos seguintes indícios: [2]

 

·        na questão sobre o divórcio (10.1-12) – um problema que afligia apenas os romanos da época;

 

·        na utilização de palavras latinas como, por exemplo, kenturiôn (centurião) e pretorion (tribunal), entre outras (6.27; 7.4; 12.42; 15.39; 15.44-45);

 

·        no nome latino para designar a moeda (ou óbulo) ofertada pela viúva (12.41).

 

De a Bíblia de Estudo Almeida:

Com respeito à composição de Marcos, é provável que teve lugar em Roma ou, talvez, na Antioquia da Síria, antes do ano 70, data em que Jerusalém foi destruída. Não há base cronológica que permita datá-la com exatidão, de forma que alguns historiadores a situam entre 65 a 70, isto é, nos anos que seguiram à perseguição de 64, decretada por Nero; outros situam a data por volta do ano 63; e ainda outros a fazem retroceder até a década de 50. [9] p. 60 do NT

 

 

Propósitos de seu conteúdo

 

Marcos não se envolve com questões biográficas e exemplo marcante disso é a ausência de uma história do nascimento e da infância de Jesus, da maneira como fazem Mateus e Lucas.

 

Mateus, por exemplo, começa com uma genealogia para ligar Jesus aos patriarcas judeus. Lucas, por sua vez, também apresenta uma genealogia e acrescenta a anunciação do anjo à Maria.

 

Marcos, ao contrário, concentra-se em realçar o caráter messiânico de Jesus que, com seus milagres, morte e ressurreição, demonstrou ser verdadeiramente o “filho de Deus” (1.1; 3.11; 5.7; 15.39), que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos”. (10.45) [4]

 

O texto começa, então, com Jesus sendo batizado por João Batista (uma alusão ao AT) e culmina com a última semana, na qual Jesus viaja para Jerusalém (capítulos 11 a 16).

 

Em termos gerais e excetuando-se talvez os capítulos da prisão, julgamento, crucificação e ressurreição (capítulos 14 a 16), a sequência dos acontecimentos não permitem estabelecer com precisão a ordem cronológica em que se deram.

 

"Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus" (1.1) [4]. Por este início, nota-se o que realmente interessava ao evangelista: evidenciar que Jesus, o singelo mestre da Galileia é o Messias aguardado (8.29; 9.41; 14.61-62), é a revelação definitiva de Deus e o sinal imediato da vinda do Seu reino (1.14-15).

 

Durante o seu ministério, Jesus até é recebido favoravelmente pelas multidões, mas seu messianismo humilde e espiritual decepciona e diminui as expectativas de muitos, já que a sua personalidade não correspondia à imagem de um líder político triunfante ou de um militar libertador nacional. [2]

 

De a Bíblia de Jerusalém:

Os judeus esperavam um Cristo que os libertasse da ocupação romana; Jesus quer então evitar ser a ocasião de uma revolta popular contra os romanos, que seria contrária à missão que ele recebeu de Deus (cf. Jo 6,14-45). [5]  p. 1699

 

Assim, à medida que a trama se desenvolve, percebe-se que o autor busca justificar que a morte de Jesus foi uma escolha deste, pois que detinha o pleno domínio dos acontecimentos. Tanto que durante o seu julgamento, ao ser questionado pelo sumo sacerdote se ele é “o Cristo, o filho do Bendito?”, Jesus responde: “Eu sou, e vereis o filho do homem sentado à direita do Poder, vindo com as nuvens do céu.” (14.61-62) [4] Esta fala faz com que o sumo sacerdote rasgue suas próprias túnicas.

 

Marcos atinge o clímax de seu relato na paixão, crucificação e ressurreição, situações essas que Jesus anuncia antecipadamente e por três vezes aos seus discípulos:

"...o filho do homem será entregue aos Sumos Sacerdotes e aos escribas e o condenarão à morte, o entregarão aos gentios, e o ridicularizarão; cuspirão nele, o acoitarão e o matarão; mas se levantará três dias depois." (10.33-34 e 8.31; 9.31) [4]

 

Muito embora os vários milagres que Jesus realizou e a sua própria transfiguração em um monte (9.2-4), Marcos mostra que, até o último instante e mesmo após a sua ressurreição, os discípulos não conseguem compreender que tudo o que lhe ocorreu fazia parte de um plano do qual Deus o havia incumbido (8.27-33; 16.9-20).

 

E essa condição de insegurança e falta de entendimento de muitos é evidenciada quando da última viagem de Jesus a Jerusalém (10.32), na qual seus discípulos e demais seguidores se encontram “assombrados” e temem. Quando ele é preso, obviamente que todos fogem.

 

Outra peculiaridade de Marcos é a preferência pela descrição um tanto mais detalhada dos atos de Jesus, sendo inclusive e às vezes, superiores às de Mateus e Lucas:

 

        5.21-43 em associação com Mt 9.18-26 e Lc 8.40-56;

 

        6.14-29 com Mt 14.1-12; e

 

        6.30 com Mt 14.13-21 e Lc 9.10-17.

 

Sem apresentar longos e extensos discursos, somente duas sequências se caracterizam como pregações:

 

·        a série de parábolas de 4.1-34; e

 

·        o sermão escatológico constante de 13.3-37.

 

 

“Filho de Deus” e “filho do homem”

 

Em Marcos, é por meio dos feitos e realizações de Jesus que os discípulos vão reconhecendo nele a sua condição de “filho de Deus”. No entanto, Jesus de Nazaré, o "filho de Deus" (com autoridade divina para curar, ensinar, fazer milagres e perdoar pecados), é também o "filho do homem”.

 

Na condição de “filho de Deus”, Marcos registra vários milagres de Jesus, tanto dominando a natureza como resgatando a saúde e a vida de pessoas:

 

        1.30-31 – cura a sogra de Simão (Pedro) que “estava deitada

e febril”;

 

        2.3-12 – cura um homem paralítico;

 

        4.37-41 – acalma “uma grande tempestade de vento”;

 

        5.25-29 – cura uma mulher “que estava com um fluxo de

sangue há doze anos”;

 

        5.35-42 – acorda a filha de Jairo, que estava sendo dado

como morta;

 

        6.37-44 – alimenta “uma turba numerosa” com 5 pães e 2

peixes;

 

        6.48-51 – caminha “sobre o mar”;

 

        7.31-37 – cura um “surdo e gago”. [4]

 

Na condição de “filho do homem”, mais do que relatado nos outros Evangelhos, Marcos apresenta um Jesus consciente de sua natureza humana. Tanto que, frequentemente, solicita que suas atividades se mantenham em segredo (1.44; 5.43; 8.30; 9.9; 9.30) até que chegue o momento de ser acreditado pelos padecimentos morais e físicos que deveria enfrentar.

 

Ainda em sua humanidade, o Jesus de Marcos apresenta alguns contrates:

 

·        alheio ao temor de seus discípulos (4.38) e “compadecido com a turba” (8.2);

 

·        aparta-se de seus antagonistas (8.11-13) e abraça e abençoa (10.16).

 

 

De a Bíblia de Jerusalém:

Cristo se identifica com o "Filho do homem" de Dn 7.13-14. Segundo este texto, com efeito, este Filho do homem receberá a investidura régia de Deus, mas em um contexto de perseguição. [5] p. 1698

 

 

Sua estrutura

 

Nas duas primeiras partes, Jesus está mais voltado para ensinar e acolher o povo em suas necessidades.

 

1ª parte: Introdução ou Preparação do ministério de Jesus (1.1-15)

 

·        1.2-8 – Ministério do precursor João Batista

 

·         1.9-11 – João mergulha Jesus no Jordão (que cita Isaias 40.3 sobre a vinda de um Messias)

 

·        1.12-13 – A tentação no deserto

 

·        1.14-15 – Início da proclamação do Reino pela Galileia

 

 

2ª parte – Jesus, o Messias (1.16 a 8.30)

 

·        1.16-20 – Os primeiros quatro discípulos

 

·        1:21 a 3.12 – Atividades e ensinamentos de Jesus (Jesus começa a executar seus milagres)                       

 

·         3.13 a 6.6 – Proclamação do Reino (alguns ensinos por parábolas)

 

·        6.7 a 8.30 – Jesus se revela como o Messias, realizando mais milagres

 

 

Na terceira parte, Jesus concentra-se mais em seus discípulos, gradativamente lhes revelando o seu plano “de resgate de muitos”.

 

3ª parte – O anúncio e o desenrolar do calvário (8.31 a 16.20)

        

·        8.31 a 11.11 – Jesus anuncia a sua morte

        

·        11.12 a 13.37 – Atividades de Jesus em Jerusalém (entrada triunfal de Jesus montado em um jegue)

        

·        14.1 a 16.20 – Paixão, morte e ressurreição 

 

 

Em linhas gerais, Marcos se divide em dois principais momentos. No primeiro, pergunta-se: quem é Jesus? E Pedro responde de forma categórica: “Tu és o Cristo (messias em grego). (8.29)

 

No segundo: como Jesus pode ser reconhecido como o Messias previsto pelos profetas do Antigo Testamento? Por meio de sua morte e ressurreição (8.31; 9.31; 10.33-34).

 

De a Bíblia de Jerusalém:

O evangelho de Marcos se divide em duas partes complementares. Na primeira (1,2-9,10), ficamos sabendo quem é Jesus de Nazaré: o Cristo, o Rei do novo povo de Deus, de onde a profissão de fé de Pedro em 8,29. Mas como Jesus pode ser este Rei, uma vez que foi morto por instigação dos chefes do povo judaico? É que ele era "filho de Deus", o que implicava uma proteção de Deus sobre ele para arrancá-lo da morte. A segunda parte (9,14-16,8) nos orienta pouco a pouco para a morte de Jesus, mas culmina na profissão de fé do centurião: "Verdadeiramente este homem era filho de Deus” (15,39), confirmada pela descoberta do túmulo vazio, prova da ressurreição de Jesus. Este plano é indicado desde a primeira frase escrita por Marcos:

"Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, filho de Deus". (presente também em 1.11; 3.11; 5.7; 9.7; 14.61; 15.39).

Afora algumas peças mais ou menos aberrantes, a primeira parte do evangelho é muito bem construída. Como em uma espécie de prólogo (1,2-20), o leitor assiste em primeiro lugar à investidura régia de Jesus, depois que o Batista anunciou a sua vinda (1,2-11). A voz celeste se dirige a ele misturando Sl 2,7 e Is 42,1; Jesus é constituído Rei (Sl 2,6) a recebe a missão do Servo de Deus, ou seja, ensinar o direito às nações (Is 42,1-4). Toda a primeira parte do evangelho será condicionada por estes dois temas.

(...) A segunda parte do evangelho não é tão bem estruturada. Ela procede mais por toques sucessivos para desenvolver dois temas interligados: o paradoxo de Jesus que deve passar pela morte antes de reinar; as condições requeridas para entrar no Reino." [5] p. 1696

 

 

Os ouvintes de Jesus em Marcos

 

Desde o início de sua pregação (1.14), Jesus é acompanhado pelos seus discípulos e pela “turba” (grande nº de pessoas) (1.16-22). Distintas, entretanto, são as reações de seus seguidores:

 

        Jesus não é aceito nem pelos próprios familiares (3.20-21; 3.31-35);

 

        os fariseus o criticam por não obedecer a Lei (2.23-28);

 

        os escribas dizem que Jesus tem parte com “Beelzebul” (3.22);

 

        os sumos sacerdotes, escribas e anciãos desacreditam dos feitos e da autoridade de Jesus (11.27-33). Daí que, desde o início de seus trabalhos (em Marcos), já conspiravam a sua morte (3.1-6; 14.1-2);

 

        os 12 discípulos igualmente não compreendem o ministério de Jesus. Mesmo quando Pedro declara ser Jesus “o Cristo” (8.29), ainda assim ele está se referindo a um messias que os libertasse do jugo romano. Jesus, deixando entrever que não era este o propósito de seu messianismo, prevê a sua morte e ressurreição (8.31). Pedro, continuando sem entender o alcance da conversa, repreende Jesus (8.32).

 

De Vinicius Moura:

O texto de Marcos costuma ressaltar três tipos de público para as pregações de Jesus: 1) os escribas e fariseus; 2) a multidão; e 3) os discípulos.

Os escribas e fariseus, quando em grupo, invariavelmente respondiam negativamente à pregação de Jesus. Criticavam-no abertamente, questionavam “quem ele pensa que é“, achavam que Jesus estava blasfemando e assim por diante. Veja um exemplo: (...) Marcos capítulo 3, versículos 1 a 6

A multidão ficava sempre maravilhada pelos ensinamentos de Jesus. As pessoas comentavam entre si: “nunca vimos uma coisa assim…” Veja um exemplo: (…) Marcos capítulo 6, versículo 2

É interessante observar que essa admiração da multidão não gerou ação concreta – as pessoas ouviam e continuavam sua vida sem nada mudar.

Normalmente, se pensa que os discípulos seguiram Jesus para aprender e, ao final do seu treinamento, saírem pelo mundo pregando a mensagem da salvação e da vinda do Reino de Deus. Mas não é isso que o relato de Marcos indica: Jesus teve muito trabalho para colocá-los no caminho certo. Na verdade, na maioria das vezes os discípulos não conseguiram entender o que Jesus disse. Interpretavam quase tudo que Ele falava de forma errada. Faziam perguntas estúpidas e totalmente fora do contexto. Veja um exemplo: (...) Marcos capítulo 8, versículos 14 a 18

Toda vez que um desses grupos aparece no texto de Marcos, o leitor já sabe mais ou menos o que vai acontecer. Se forem escribas e fariseus, a reação será negativa, se for uma multidão, as pessoas irão se maravilhar e se forem os discípulos, haverá uma reação meio sem noção. 

Esses três públicos representam três formas erradas de reagir à pregação de Jesus. Há quem responda negativamente ao que Ele ensinou – questiona tudo e até acha que Jesus estava errado. Essas pessoas são como os escribas e fariseus.

Há também quem ouça a mensagem de Jesus e se entusiasme, como fazia a multidão. Mas não faça nada a partir daí – os ensinamentos de Jesus ficam na memória, mas não criam raízes no comportamento, não geram mudança de vida.

E, finalmente, assim como os discípulos, há quem não entenda o que Jesus ensinou. Talvez porque seus preconceitos e forma estreita de pensar tornem difícil entender uma mensagem de amor e perdão.

Concluindo, o Evangelho de Marcos é um texto curto – são apenas dezesseis capítulos – e fácil de ler. Vale a pena investir seu tempo em conhecê-lo. Você vai aprender muito. [10]

 

De a Bíblia de Jerusalém:

Em contraste com o entusiasmo das multidões (cf. 1,45), Marcos nos apresenta um primeiro grupo de pessoas que recusam crer em Jesus: os escribas e os fariseus. É o bloco das cinco controvérsias contadas em 2,1-3,6, que termina com a decisão de acabar com Jesus. (...) Escribas e fariseus odeiam Cristo por causa de seu ensinamento e de seus exorcismos: são ciumentos (cf. 1,22). Na seção seguinte 93,13-350, Marcos de novo oporá dois grupos de personagens: os Doze, aos quais transmite seu poder de ensinar e de expulsar aos demônios (3,13-19), e seus familiares que o consideram como um iluminado (3,20-21; cf. Jo 7,5), e aos quais Cristo opõe sua verdadeira parentela: os que fazem a vontade de Deus (3,31-35). (...) Pela terceira vez (cf. 6,52; 07,18), Jesus constata a incompreensão de seus discípulos (8,14-21): eles não compreendem o sentido dos prodígios que ele realizou, em o sentido de seus ensinamentos (8.18). Eles, portanto, não o reconhecem nem como o Rei anunciado pelo Sl 2,7 nem como o Servo deque fala Is 42,1-4. [5] p. 1697

 

 

Resumo

 

De Estudo Aprofundado da Doutrina Espírita:

No propósito de nos apresentar Jesus como filho de Deus, incompreendido e rejeitado pelo povo, Marcos se preocupa menos em explanar o ensino do Mestre, fazendo poucas referências aos seus ensinamentos. Escrito em linguagem popular, de estilo vivo, o texto de Marcos deixa de lado o que interessava apenas aos Judeus, focalizando também os interesses dos pagãos recém-convertidos na fé, após a morte de Pedro e Paulo (entre os anos 62 e 63). No entanto, há no Evangelho de Marcos explicações que nem mesmo os gentios compreendiam (MARCOS, 3:17; 5:41; 7:34; 10:46; 14:36; 15:34), assim como relatos de costumes judaicos (MARCOS,7:3-4; 14:12; 15:42). O autor faz poucas referências ao Antigo Testamento. Destaca as várias emoções dos personagens (MARCOS, 3:34; 8:12; 10:14, 21,32; 16:5-6). O ponto culminante do seu evangelho é a confissão de Pedro, em Cesareia (MARCOS, 8:27-30) e a resposta do Cristo, que não declarara antes ser o Messias por causa do falso conceito de libertador temporal, atribuído ao enviado de Deus. Alguns autores afirmam que Marcos usou este "segredo messiânico" para evitar explicações embaraçosas sobre o fato de ter o Cristo morrido da forma como morreu, quando deveria, no entender dos judeus, ser o libertador de um povo.

A tradição diz que a casa, citada em ATOS DOS APÓSTOLOS, 12:12, pertencia a Marcos, e é a mesma onde foi celebrada a última ceia de Jesus (MARCOS, 14:4). [2]

 

De Got Questions:

Marcos escreveu como um pastor para os cristãos que já tinham ouvido e acreditado no Evangelho (Romanos 1:8). Ele desejava que eles tivessem uma narrativa biográfica de Jesus Cristo como Servo do Senhor e Salvador do mundo a fim de fortalecer a sua fé diante da perseguição severa e ensinar-lhes o que significava ser Seus discípulos.

(...) Aplicação Prática: Marcos apresenta Jesus como o Servo sofredor de Deus (Marcos 10:45) e como Aquele que veio para servir e sacrificar-se por nós, em parte para nos inspirar a fazer o mesmo. Devemos servir como Ele serviu, com a mesma grandeza de humildade e dedicação ao serviço dos outros. Jesus exortou-nos a lembrar que para ser grande no reino de Deus, devemos ser o servo de todos (Marcos 10:44). O auto-sacrifício deve transcender a nossa necessidade de reconhecimento ou recompensa, assim como Jesus estava disposto a ser humilhado ao oferecer a Sua vida pelas ovelhas. [11]

 

 

Silvia Helena Visnadi Pessenda

sivipessenda@uol.com.br

 

 

Referências

 

[1] DICIONÁRIO HOUAISS. Arcaísmo. Disponível na Internet em: https://houaiss.uol.com.br/pub/apps/www/v5-2/html/index.php#2 - Acessado em 03.06.2020. (literatura não-espírita)

 

[2] MOURA, Marta Antunes de Oliveira (Org.). Estudo aprofundado da doutrina espírita: cristianismo e espiritismo. Orientações espíritas e sugestões didático-pedagógicas direcionadas ao estudo do aspecto religioso do espiritismo/organizado por Marta Antunes de Oliveira Moura. 1. ed. Brasília: Federação Espírita Brasileira, 2015. Livro I. Módulo II. Roteiro 6.

 

[3] CROSSAN, John Dominic. As duas vozes mais antigas da tradição de Jesus. In: CHEVITARESE, André L.; CORNELLI, Gabrielle (Org.). A descoberta do Jesus Histórico. 1. ed. São Paulo: Paulinas, 2009. (literatura não-espírita)

 

[4] DIAS, Haroldo Dutra (Trad.). O novo testamento/ tradução de Haroldo Dutra Dias. 1. ed. Brasília: Federação Espírita Brasileira, 2013. 

 

[5] BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2003. (literatura não-espírita)

 

[6] ARGOLLO, Djalma Motta. O Novo Testamento: um enfoque espírita. 2. ed. São Paulo: Editora Mnêmio Túlio. Cap. V.

 

[7] WIKIPÉDIA. Evangelho segundo Marcos. Disponível na Internet em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Evangelho_segundo_Marcos

- acessado em 03.06.2020. (literatura não-espírita)

 

[8] DICIONÁRIO HOUAISS. Aramaísmo. Disponível na Internet em: https://houaiss.uol.com.br/pub/apps/www/v5-2/html/index.php#4 - Acessado em 03.06.2020. (literatura não-espírita)

 

[9] BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo Almeida. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. (literatura não-espírita)

 

[10] MOURA, Vinicius. In: Desafio de ser cristão. O EVANGELHO DE MARCOS É DIFERENTE? Disponível na Internet em:

https://www.sercristao.org/o-evangelho-de-marcos-e-diferente/

- Acessado em 03.06.2020. (literatura não-espírita)

 

[11] Got Questions. Evangelho de Marcos. Disponível na Internet em: https://www.gotquestions.org/Portugues/Evangelho-de-Marcos.html  Acessado em 03.06.2020. (literatura não-espírita)

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