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“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!
entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”

(Mateus 7:21)

Mulher

 

 

A mulher desfruta do respeito que todo ser humano necessita para viver bem?  Ela é devidamente reconhecida em seus direitos? Como surgiu o “Dia Internacional da Mulher”? O que representou para a mulher ocidental a emancipação feminina? Tem ela uma missão diferente da que o homem é investido?

 

 

Dentre as muitas informações que nos chegam do Oriente Médio, as que falam sobre a condição de muitas de suas mulheres nos chocam profundamente. E um exemplo do que isso representa é que, em 2004, o cineasta holandês Theo van Gogh foi assassinado, a tiros e facadas, por criticar o tratamento dado às islâmicas, em seu filme “Submissão”.

        

Entretanto, no “outro lado do mundo”, muitas mulheres exercem as mais diversas profissões, têm acesso aos mais variados ramos do conhecimento humano, tornando-se até mesmo referência em muitos deles; desfrutam de direitos políticos, de liberdade de opinião. Mas essa situação nem sempre foi assim e, infelizmente, a condição de outras tantas ocidentais ainda não é das melhores.

        

A Revista VEJA, edição de 15.03.2006, traz em destaque na capa: “ELE SEMPRE ME BATEU – Mulheres rompem o silêncio sobre o inferno da vida com homens violentos”. No artigo desenvolvido por Lucila Soares, temos:

 

Pesquisa da Organização Mundial de Saúde divulgada no ano passado mostra que, no Brasil, 29% das mulheres relatam ter sofrido violência física ou sexual pelo menos uma vez na vida, sendo que 16% classificaram a agressão como violência severa – ser chutada, arrastada pelo chão, ameaçada ou ferida com qualquer tipo de arma. Apesar disso, 22% não contaram a ninguém sobre o ocorrido e 60% não saíram de casa sequer uma noite em razão da violência. A experiência internacional nessa área indica que, em média, a mulher leva dez anos para pedir socorro. [1]

 

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O histórico da emancipação feminina ocidental é um suceder de episódios dolorosos e difíceis, porque a mulher nem sempre foi ensinada a administrar algo que, na verdade, sempre foi seu, mas nunca lhe pertenceu: sua própria vida.

        

Platão, filósofo grego nascido em 427 a.C. – considerado, juntamente com o seu mestre, o filósofo Sócrates, como precursores das idéias cristãs e do próprio Espiritismo, conforme O Evangelho segundo o Espiritismo, em sua Introdução –, já afirmava em seu tempo: “Um Estado que não forma nem educa suas mulheres é como um homem que treina apenas o seu braço direito.” [2] Ou seja, pelo tratamento de inferioridade e submissão dispensado ao sexo feminino, a organização de uma sociedade se torna incompleta, desequilibrada e injusta.

        

No entanto, as mulheres das gerações passadas não tiveram muitas escolhas, ou escolhas fáceis. Tiveram que descobrir – mesmo sem experiência, e com todas as circunstâncias adversas – suas reais necessidades e potencial, vencer medos e preconceitos, derrubar mitos, contrariar pessoas afetivamente importantes e ter uma audácia que não se esperava dela.

        

E o marco histórico dessa emancipação foi quando 129 tecelãs da fábrica de tecidos Cotton, em Nova Iorque, cruzaram os braços pedindo jornada de trabalho de 10 horas, porque estas, além de durarem em média 14 horas, ocorriam em condições insalubres e sob ameaças de assédio sexual e de espancamentos. É preciso registrar, também, que essas operárias recebiam salários 60% inferiores aos dos homens, pela mesma tarefa.

        

Ao serem violentamente reprimidas pela polícia, elas se refugiaram nas dependências da fábrica, fazendo com que os patrões e a polícia trancassem as portas e ateassem fogo no local onde elas se encontravam, não restando nenhuma sobrevivente daquela tragédia. 

        

A data do fato deu origem, mais tarde, à celebração do “Dia Internacional da Mulher”, em homenagem a essas primeiras mártires num universo machista. E esse episódio ocorreu em 08 de março de 1857, portanto, 41 dias antes da publicação de O Livro dos Espíritos, por Allan Kardec, em 18 de abril do mesmo ano.

 

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Essa desfavorável condição feminina não passou despercebida pelo codificador do Espiritismo. Assim, Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, analisa esse assunto em 6 questões, começando com a de número 817: 

“Diante de Deus, o homem e a mulher são iguais e têm os mesmos direitos?” [3]

        

Resposta da Espiritualidade Maior:

“Deus não deu a ambos a inteligência do bem e do mal e a faculdade de progredir?”

        

A questão 818 traz:

“De onde se origina a inferioridade moral da mulher em certos países?”

        

Resposta:

“Do império injusto e cruel que o homem tomou sobre ela. É um resultado das instituições sociais e do abuso da força sobre a fraqueza. Entre os homens pouco avançados, do ponto de vista moral, a força faz o direito.”

        

Questão 820:

“A fraqueza física da mulher não a coloca naturalmente sob a dependência do homem?”

        

Resposta:

“Deus deu a uns a força para proteger o fraco, e não para se servir dele. (...) A emancipação da mulher segue o progresso da civilização, sua subjugação caminha com a barbárie.”

        

Em associação a essas respostas, proporcionadas pelos Espíritos Superiores, temos a seguinte continuação do artigo da VEJA, acima referido:

 

O filósofo britânico John Stuart Mill (1806-1873)( – contemporâneo, portanto,  de Allan Kardec (1804-1869) – escreveu em seu célebre ensaio A Sujeição das Mulheres que o recurso à força física por parte dos homens era, no fim do século XIX, o único resquício do tempo das cavernas que ainda resistia ao avanço da civilização. É trágico constatar que no começo do séc. XXI a brutalidade atávica do forte contra o fraco continue a ser tão prevalente na relação dos casais. [1]

 

A relação entre os homens e as mulheres ocidentais, embora tenha evoluído muito, ainda não encontrou o equilíbrio e a maturidade desejados. Ainda estamos atravessando um momento de muitas transformações, e a crise entre os sexos é uma realidade para a grande maioria dos casais.

 

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Em decorrência de sua liberação, fruto necessário e positivo da evolução social, também as mulheres conquistaram maiores possibilidades de buscar realizações fora do lar. No entanto, algumas delas nem sempre procedem de forma equilibrada, por não saberem, ainda, administrar satisfatoriamente sua própria realidade. Vale ressaltar que, culturalmente, as mulheres não foram – e muitas ainda não são – ensinadas no sentido de gerenciar a própria vida.

        

Algumas discrepâncias ainda continuam ocorrendo nesse processo de emancipação, o que fez com que Chico Xavier, certa vez, dissesse:

 

Este avanço não é construtivo e sofrerá, naturalmente, uma poda no tempo oportuno (isso porque algumas mulheres, por exemplo, não estão sabendo usar de sua liberdade. Elas a estão confundindo com uma liberação que, na verdade, não está atraindo dignidade e respeito para sua causa). Mas este avanço tem o tamanho da opressão que o homem exerceu sobre a mulher durante muitos séculos. Então, agora veio o segundo tempo do jogo ... tanto deve ser responsável um como o outro... (ambos terão de enfrentar as consequências de seus inadequados comportamentos)  [4]

 

Desde que, na década de 1960, as feministas passaram a ter mais êxitos em suas reivindicações, a taxa de suicídio entre as mulheres diminuiu mais de 34%. Mas, nem por isso, as coisas se tornaram definitivamente simples para elas, mesmo porque, o feminismo, que prometeu libertá-las do jugo doméstico, por outro lado, lançou-as numa situação de sobrevivência e competição, em que muitas de suas aspirações também não estão se realizando.

        

Atualmente, mais da metade das mulheres do mundo ocidental trabalham fora, mesmo quando não gostariam de fazê-lo. Muitas delas desempenham o papel de mãe, de pai e de provedor. E, em virtude de se encontrarem extremamente atarefadas, muitas passaram a sofrer de úlcera, de doenças do coração e de tantas outras enfermidades relacionadas ao estresse, exatamente como sempre aconteceu com os homens. Existem algumas que até chegam a negar sua natural condição feminina, para se inspiraram no modelo masculino de comportamento. No entanto, em virtude da atual realidade econômica, a contribuição financeira da mulher no equilíbrio do orçamento familiar tornou-se imprescindível em vários lares. Para esses casos, o modelo antigo – o homem trabalhando fora e a mulher desempenhando apenas tarefas domésticas – já não pode mais ser aplicado, mesmo que o casal preferisse que assim fosse.

        

Mas, por maiores sejam as realizações encontradas fora do reduto doméstico, tudo se torna pálido diante do poder feminino de gerar e criar uma nova vida.

        

Segundo os postulados da Doutrina Espírita, a mulher ainda possui a elevada e sagrada tarefa de formar e educar as almas trazidas à reencarnação – seus filhos –, o que, muitas vezes, realiza com extremada cota de sacrifício, de renúncia, de disposição e de dedicação. “O trabalho da mulher é sempre a missão do amor, estendendo-se ao infinito.” [5]

        

Allan Kardec, desejando saber sobre a importância da maternidade, pergunta na questão 821, de O Livro dos Espíritos:

“As funções para as quais a mulher está destinada pela Natureza tem uma importância tão grande quanto a dos homens?”

        

Têm-se a seguinte resposta da Espiritualidade Superior:

“Sim, e maiores; é ela quem lhe dá as primeiras noções de vida.”

 

 

Silvia Helena Visnadi Pessenda

sivipessenda@uol.com.br

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

[1] Revista VEJA. São Paulo: Editora Abril S.A.

 

[2] GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Tradução de João Azenha Jr. 57. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

 

[3] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 100. ed. Araras, SP: IDE, 1996.

 

[4] EMMANUEL (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Entender conversando. Organização e Notas de Hércio Marcos Cintra Arantes. 8. ed. Araras: IDE Editora, 1995. p. 36.

 

[5] ANDRÉ LUIZ (espírito); VIEIRA, Waldo (psicografado por). Conduta espírita. 21. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1998. Cap. “Da Mulher”.

 

 

INCONTRI, Dora. A Educação segundo o Espiritismo. 5. ed. Bragança Paulista: Editora Comenius, 2003.

 

KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 195. ed. Araras, SP: IDE, 1996.

 

 

Literatura não-espírita

 

LUFT, Lya. Pensar é transgredir. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.

 

_______. Perdas e ganhos. 12. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.

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