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“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!
entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”

(Mateus 7:21)

Autoamor

 

 

Trata-se o autoamor de egoísmo, narcisismo ou vaidade? Deve o amor ser, inicialmente, buscado e encontrado fora de nós mesmos? Pode o autoamor nos poupar de escolhas e atitudes indevidas? O que precisamos fazer para nos desligar de pessoas, crenças e situações que não nos são saudáveis? Nossas questões mais difíceis são aquelas que se relacionam com o próximo?

 

 

Existe uma tendência de se acreditar que o amor a si mesmo não passe de puro egoísmo, narcisismo e até vaidade. Porém, na realidade, tais atitudes não revelam o autoamor, mas deixam transparecer que no íntimo daquele que assim se comporta talvez esteja prevalecendo o medo, a insegurança ou uma necessidade de autoafirmação, em razão dos conflitos e carências que ainda carrega.

 

De fato, o egoísmo é um sentimento de autosatisfação doentia, que faz com que o seu detentor tenha olhos somente para si, agindo exclusivamente em benefício próprio. E o egoísta não se ama, mas ama a posse; gosta das coisas e das pessoas, na medida em que elas atendam suas paixões e necessidades desequilibradas. Assim sendo, quando diz que ama, não o faz verdadeiramente.

 

O escritor espírita e Juiz de Direito José Carlos de Lucca assevera:

 

O amor é o mais sublime dos sentimentos. Ele é o maior e o melhor combustível de que dispomos para nos conduzir pelas estradas da vida. Sem ele não se vai muito longe, mas com ele nossos horizontes se alargam indefinidamente.

A razão de tanto sofrimento no planeta ainda se dá pela ausência de amor. As pessoas falam muito de amor, mas pouquíssimas amam efetivamente. A palavra amor acabou ficando desgastada com o tempo exatamente porque as pessoas falam muito e vivem pouco o amor que apregoam. Geralmente, reclamam da falta de amor, mas não dão amor, ou seja, querem receber, mas não estão dispostas a dar.

(...) Na verdade, constata-se que as pessoas não se amam, embora estejam à procura de amor. E veja que situação curiosa: a grande maioria das pessoas deseja receber amor, mas está pouco disposta a amar, e muito menos a amar a si mesma.

(...) Mas como resolver? Tudo começa pelo amor que devemos dar a nós mesmos.

(...) Jesus ditou sua lei maior recomendando-nos que o mesmo amor que temos por nós, devemos também ter por nossos semelhantes. Logo, em momento algum, Jesus condena o amor a si mesmo. Muito pelo contrário, recomendou que esse sentimento de amor que a pessoa tem por si própria, de tão bom que é, também se estenda aos outros.

(...) A pessoa que não se ama busca no outro o amor que ela mesma não se dá. [1]

 

Aquele que não se ama, não é capaz de amar ninguém; naturalmente, não consegue se relacionar de maneira satisfatória com as demais pessoas.

 

Em suas palavras, Jesus sinalizou que o autoamor não se trata de egocentrismo, porque o amor ao outro, a nós mesmos e a Deus são vivências emocionais intrinsecamente vinculadas.

 

Apenas damos e, por sua vez, recebemos, aquilo que já existe dentro de nós e que se encontra disponível ao oferecimento. Quanto mais conhecermos as inúmeras possibilidades desse sentimento, mais o compartilharemos e, por conseguinte, maior será nossa compreensão a respeito dele. Entretanto, muitos ainda acreditam que o amor é algo que deve ser, inicialmente, buscado e encontrado fora deles mesmos.

 

É também o autoamor que nos poupa de escolhas e atitudes que nos trazem prejuízos e sofrimentos. Quanto mais nos amarmos, mais nos desligaremos de crenças, pessoas e situações que não nos são saudáveis! Portanto, o autoamor é um instrumento de equilíbrio íntimo, uma proposta de crescimento e evolução, porque aquele que o cultiva em si:

·                   Trabalha para si, intelectual, moral, emocional e espiritualmente;

·                   amadure e engrandece seus projetos de vida, desenvolvendo-se socialmente;

·                   evita os vícios e os abusos de qualquer natureza;

·                   protege-se da negatividade, sempre encarando positivamente as pessoas e as situações;

·                   sublima seus princípios, valores e crenças.

 

Todavia, Lucca prossegue em suas considerações:

 

“Porém, muita gente, a pretexto de uma falsa humildade, mutila-se e renega-se e vai querer tentar amar o próximo. A pessoa não se aceita, acha-se repleta de defeitos, não tem cuidado com o seu corpo físico, mas está loucamente tentando amar alguém, porém odiando a si própria. Contudo, com tal sentimento, não vai conseguir amar sequer um mosquito.

Se nem os seus defeitos a pessoa consegue agentar, que dirá das imperfeições dos outros.

(...) Meu querido leitor, será que você está se amando?

Para responder, dou-lhe algumas pistas. Em primeiro lugar, veja se você já se conhece. Sabe quem você é? Sem o autodescobrimento, é impossível se amar, porque ninguém ama quem não conhece, nem se o desconhecido for você mesmo. Descubra-se, não seja um desconhecido para você mesmo.

Faça uma meditação diária, reservando-se, ao menos, cinco minutos do seu dia para essa grande viagem interior.”  [1]

 

Quantas vezes nos iludimos por acreditar que nossas questões mais difíceis são aquelas que se relacionam com os outros! Entretanto, complexo mesmo, para muitos de nós, é lidar com nosso próprio mundo íntimo.

 

Desperdiçamos muito tempo e energia no processo de negar tudo aquilo que não aprovamos em nós, como se ignorar a existência de nossas dificuldades fosse a solução para elas. O autoconhecimento consiste, justamente, nesse olhar interior que nos permite descobrir quem realmente somos, o que queremos e quais as razões e as motivações que impelem nosso comportamento perante a vida e as pessoas. Porém, se por um lado, o autodescobrimento nos possibilita desvendar nosso lado negativo, por outro, ele incentiva a buscar meios para a sua superação, porque, em nós, encontram-se tanto a causa como a solução de nossos embaraços.

 

E dando continuidade às suas ponderações, para a avaliação do autoamor em nós, Lucca sugere:

 

“Em segundo lugar, descobrindo-se quem é, aceite-se como é. Medite, sem culpa. Não vá se ferir. Nessa descoberta, você encontrará alguém que talvez não conhecia, talvez com defeitos que você mesmo não admita e nem suporte. Mas não importa. Aceite-se. Você é um espírito em evolução. Você ainda não é perfeito e está muito longe da perfeição relativa a que todos estamos fadados (somente Deus possui a perfeição absoluta). Se você já fosse perfeito, não teria reencarnado no planeta Terra e estaria vivendo em mundos mais felizes. Admita seus erros e suas limitações, e assim estará habilitado a compreender os erros dos outros.” [1]

 

 

Muitos indivíduos se desvalorizam em razão do alto nível de exigências que impõem a si mesmos. Por isso, não conseguem perceber que ter bons pensamentos a seu respeito pode lhes saciar a sede de amor e de consideração que todo ser humano possui.

 

Assim, torna-se imprescindível atentarmos para as críticas destrutivas que fazemos a nós mesmos, porque dificilmente tais acusações conseguem melhorar nossa condição íntima. Pelo contrário, em razão das culpas que geram, não nos estimulam a uma conscientização equilibrada e nem à adoção de mudanças positivas tanto dentro como fora de nós.

 

Portanto, a autoaceitação consiste nesse acatamento de nossas reais possibilidades, o que, por sua vez, nos afasta da neurose das comparações, porque muitas das exigências que imputamos a nós mesmos têm a ver com as irreais expectativas que os outros alimentam em relação à nossa pessoa.

 

Até que consigamos conquistar a devida firmeza nas intenções e nas atitudes, é o autoperdão que exerce um papel fundamental na amenização de nossos remorsos e culpas. E autoperdoar-se não significa, pura e simplesmente, justificar-se pelos erros cometidos. Antes de tudo, trata-se daquela chance a mais que proporcionamos a nós mesmos com o intuito de, agora, acertar, aprender e, com isso, trabalhar a própria melhoria interior. Daí a importância de valorizarmos nossos mais simples avanços e conquistas, para que a superação de nossos equívocos ocorra não em clima de culpa, mas pelo sincero desejo de progredir, de adquirir uma condição íntima mais satisfatória. E José Carlos de Lucca conclui:

 

Então, sem medo e sem preconceito, aceite-se. Mas não se acomode com aquilo que você é. Melhore-se a cada dia.

Seja a cada novo dia melhor do que você foi no dia anterior.

Aliás, você está aqui exatamente para crescer, para evoluir. Estudar, trabalhar, casar, ter filhos, divertir-se são apenas situações estimuladoras do seu crescimento. Quem fica parado é poste, diz a sabedoria popular. Quando o indivíduo deixa de se trabalhar interiormente, de crescer como espírito, o sofrimento logo aparece. É curioso ver como o sofrimento impulsiona o nosso progresso espiritual, não é mesmo? Então, caro amigo, não espere por ele, trabalhe interiormente e melhore um pouco a cada dia. Quanto mais crescer por esforço próprio, menos precisará da companhia do sofrimento. Que maravilha, não é?           

Agora, conhecendo-se, aceitando-se e melhorando-se, você estará em condições de se amar.

(...) Aposto que muitos milagres acontecerão em sua vida, porque nada resiste à energia do amor. Aliás, a melhor definição que deram de Deus é a de que Deus é amor. Ora, quanto mais eu manifestar o amor em mim, mais Deus estará em mim. Não tem outro caminho.

Agora, finalmente, meu amigo, você está habilitado a amar os outros, nossos irmãos. Isso é inevitável, porque o amor verdadeiro em nós é tão bom que não conseguiríamos que ele ficasse retido em nosso ser. O amor é a expansão dos nossos mais sublimes sentimentos. Jesus é a maior prova disso. [1]

 

É por meio do autoamor que criamos uma autoimagem positiva e que construímos uma autoestima resistente.

 

Quando emocionalmente atendemos às nossas próprias necessidades, mais nos sobra para socorrer as necessidades alheias e aceitar as outras pessoas pelo que elas conseguem ser. De fato, quem se ama não se machuca, não fere o outro e nem depende de ninguém para lhe dizer se merece ou não aquilo que existe de melhor, porque é o respeito e o amor que alimentamos por nós mesmos que fazem com que as coisas boas simplesmente aconteçam em nossa vida, em virtude do ambiente favorável que criamos ao redor de nós mesmos.

 

 

AUTOCONSIDERAÇÃO

 

(…) Indivíduos que não se valorizam criam em seu campo magnético – aura humana – energias negativas e são mantidas por pensamentos habituais de autodesvalorização. A partir daí, materializam acontecimentos inconvenientes e atraem indivíduos semelhantes (encarnados ou desencarnados) à sua maneira inadequada de se comportar diante das pessoas e dos acontecimentos.

 

Por exemplo, se repetirmos constantemente para nós mesmos que somos indignos, tolos e desprezíveis, atraímos ondas mentais similares a esses autoconceitos, porque chamaremos para nós sentimentos semelhantes de outras criaturas. Pudera, nós vibramos contra nós mesmos!…

 

(…) Ao pensarmos, nossa casa mental irradia vibrações ou ondas que se propagam no universo energético circundante com que ela sintoniza. A energia que dissipamos é que a atrai a consideração, ou não, dos outros. Quanto mais nos rejeitamos, maior é a rejeição das pessoas para conosco.

 

A atitude de nos subestimar ou menosprezar cria em nossa intimidade uma estrutura psicológica comparável a um “mata-borrão” ou a um “exaustor energético”, que suga tudo o que existe de negativo no ambiente em que nos encontramos. Podemos nos comparar a verdadeiros “imãs”, que vão atraindo a “limalha de ferro”.

 

Não importa se trazemos de nossa atual ou das passadas existências um sistema de crenças derrotistas (…). O que hoje realmente importa é a conscientização de que se nossos olhos estão envolvidos com nosso próprio malquerer, imediatamente sintonizaremos com o mal alheio. A mente é, ao mesmo tempo, uma fonte receptora e uma força propulsora, que capta e irradia qualquer onda mental.

 

A autoconsideração, isto é, o amor a nós mesmos, é o melhor antídoto contra as energias deletérias. Esse autocomportamento afetuoso melhorará a qualidade de nosso relacionamento com nós próprios e com os semelhantes.

 

No entanto, a autoconsideração não pode ser comparada ao narcisismo ou ao egoísmo, mas, sim, ao fato de que somos tão dignos de amor quanto o nosso próximo, ou seja, devemos desejar e buscar mutuamente o amor incondicional.

 

“Amar a Deus sobre todas as coisas” é o primeiro e o maior de todos os mandamentos, “amar ao próximo como a nós mesmos” é considerado o segundo e semelhante ao primeiro; tanto que Jesus Cristo afirmou perante os judeus da época que “toda a lei e os profetas estão contidos nesses dois mandamentos”.

 

A autoconsideração faz nosso “universo íntimo” girar em torno do amor e, em virtude disso, atrair criaturas e energias amorosas em nosso derredor. [2]

 

 

 

Entrevistas

 

PERGUNTA:

Por que tantas crises nos lares? Por que tanto desamor?

 

DIVALDO:

O homem está doente e, como efeito, neste período de transição, ele exterioriza os estados de desequilíbrio. A ciência e a tecnologia, que tanto contribuíram para o progresso intelectual e para as conquistas pessoais do homem e da sociedade, não equacionaram o problema da consciência, o problema do ser.

 

Depois de mais de seis mil anos de pesquisas na área da ciência logramos atingir o ápice. Mas ainda não tivemos a coragem de atingir o Eu, de criar uma transformação real, profunda.

 

(...) A Doutrina Espírita faz uma proposta: você é um ser imortal, despido da transitoriedade carnal. Considere a vida física, a existência corporal uma experiência breve como um bloco de neve que a luz do dia vai derreter. Observe que a sua vida não encontra causalidade real no berço, nem terminará na injunção cadavérica. É nesse contexto que você está, no meio de duas experiências: a do passado e a do presente, vivendo hoje o que fez de si ontem, trabalhe agora porque você pretende ser alguém. Atenda esse real interesse pela transformação legítima de seus objetivos, pensando diariamente em si, amando-se. Porque se criou um conceito falso de amar ao próximo esquecido de como a si próprio se deve amar, de perdoar aos outros como a si próprio se deve perdoar.

 

O indivíduo castrado por religiões do passado, bate à porta da Doutrina Espírita, com inúmeros conflitos de comportamento e de consciência, ele não se perdoa ser gente, ser humano, falhar. Ele não se perdoa porque se equivocou ou bloqueia a consciência para não pensar nisso e aliena-se ou faz uma consciência de culpa, marchando para os estados paroxísticos da depressão ou da exaltação, tombando em estados ainda alienantes. Ou então ele adquire uma posição de cinismo, até o momento em que a consciência rompe as barreiras do bloqueio e ele se descobre frustrado, marchando para o suicídio indireto, quando não diretamente. O Espiritismo, atualizando o pensamento de Jesus, diz que temos o direito de errar. O erro é uma experiência que não deu certo e nos ensina que não devemos mais tentar aquela experiência daquela forma. Afirmava Confúcio: ‘Com os bons aprendemos virtudes, com os maus aprendemos a não fazer as atitudes negativas que eles mantêm’. Logo, nós temos o dever de nos amarmos, porque, quando apenas amamos aos outros, projetamos a sombra, a imagem. Estamos fugindo de nós e não estamos a amar, mas sim, transferindo biótipos, modelos, e exigindo que os outros sejam aquilo que nós somos.

 

Então o Espiritismo diz: ame-se a si mesmo, dê-se oportunidade de ser feliz. Torne-se feliz, viva hoje, aqui e agora. Aproveite cada instante de sua vida, lembrando-se que o ponteiro do relógio volta ao primeiro lugar nunca mais na mesma circunstância. Cada momento tem a sua significação.

 

(...) Deveremos amar. E se alguém disser que é necessário desprezar o corpo, desprezar a vida, não se vestir, não se calçar, não tomar banho, isso é estado paranóico. Temos que viver consoante os modismos, usar o que a sociedade coloca em nossas mãos para formar o progresso, mas considerar que nós usamos, mas não somos isso. (...) Portanto, nós não somos isso, estamos trabalhando para ser a realidade do Espírito que navega em águas de possibilidades para o futuro.  [3]

 

 

Silvia Helena Visnadi Pessenda

sivipessenda@uol.com.br

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

[1] LUCCA, José Carlos de. Sem medo de ser feliz. 1. ed. São Paulo: Petit, 1999. Cap. “Você se ama?”. p. 83-87.

 

[2] HAMMED (espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). A imensidão dos sentidos. 3. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 2000. Cap. “Autoconsideração”. p. 167-169.

 

[3] ÂNGELIS, Joanna de (espírito) e Espíritos diversos; FRANCO, Divaldo Pereira (psicografado por). SOS família. 14. ed. Salvador, BA: Livr. Espírita Alvorada. Cap. 33. p. 183-185.

     

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