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“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!
entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”

(Mateus 7:21)

Mediunidade - compromisso ou missão?

 

 

A mediunidade é um compromisso ou uma missão? Os médiuns são credores de uma proteção especial? Por que se nasce médium? Os médiuns são pessoas diferentes? O exercício da mediunidade é somente esforço e luta? Ela representa uma obrigação?

        

 

        

Missão: “Encargo, incumbência. Delegação divina instituída num intuito religioso. Compromisso, dever imposto ou contraído, obrigação.”

 

Compromisso: “Comprometimento. Obrigação ou promessa mais ou menos solene.” [1]

 

        

 

A literatura espírita ensina que, quando o espírito, ainda na erraticidade – isto é, vivendo no mundo dos espíritos –, opta por assumir uma nova reencarnação, geralmente assim o faz visando um mais amplo resgate de suas dívidas, bem como um maior desenvolvimento emocional, moral e espiritual. Para tanto, pode dispor da assistência da Colônia espiritual à qual esteja vinculado, nessa passagem da erraticidade para o mundo material.

        

Mas, quando esse reencarna com a programação de ser “médium”, o amparo da Colônia espiritual pode ser ainda mais intensivo e extensivo, visto que seus amigos espirituais e mentores, na medida do possível, buscarão sempre inspirá-lo às atividades mais apropriadas, para que o desabrochar de sua mediunidade e o desenvolver de suas tarefas garantam o fiel cumprimento dos propósitos planejados inicialmente.

        

Entretanto, consciente desse fato, convém que o indivíduo médium não se considere credor de uma “proteção especial” ou investido de uma “missão extraordinária”, porque, via de regra, a mediunidade é um compromisso que ele mesmo assumiu perante si mesmo e perante aqueles que o tutelam.

        

Segundo considerações de Allan Kardec, em O Livro dos Médiuns, todos os indivíduos são médiuns [2]. Porém, sem deixar de cumprir com os seus deveres de ordem material, aqueles que nascem com tarefas específicas a desempenhar nesse sentido têm por encargo beneficiar dezenas, centenas e até milhares de pessoas, por meio das mensagens superiores de que se faz portador e das atitudes de dignidade e firmeza de caráter, de benevolência e fraternidade, de espiritualidade e superioridade de valores que exemplifica.  

        

O Espírito Odilon Fernandes deixa considerações importantes sobre o assunto:

 

Todos os médiuns têm uma missão a cumprir e toda missão é importante.

A missão do médium, seja qual for o seu grau de mediunidade, é a de ser intérprete dos Espíritos, mantendo acesa a chama da fé na Imortalidade.

Ninguém se habilita a uma tarefa – digamos – maior, se não desempenha com dedicação os encargos considerados menores.

Os médiuns investidos de missão especial, geralmente não têm consciência definida sobre o trabalho que lhes cumpre desempenhar.

(...) Os verdadeiros missionários fogem ao elogio e reconhecem a sua pequenez ante a magnitude da causa a que servem.

(...) Os médiuns devem limitar-se a cumprir o seu papel, empenhando nisso o melhor de seus esforços, conscientes de que estarão sendo os maiores beneficiados, consoante a máxima evangélica: “É mais bem-aventurado dar que receber”.

Ninguém se queixe de suas lutas.

A mediunidade é um caminho para os Cimos, mas não é o único.

Outros companheiros, noutros setores das atividades humanas, estão fazendo mais e melhor, sem serem médiuns...

O que destaca a mediunidade é a direção que se lhe dá.

Os alicerces de uma casa, embora estejam enterrados, é que lhe garantem as estruturas.

Médiuns existem que passam pela Terra quase que em completo anonimato, mas ante os olhos de Deus são verdadeiros missionários do Bem.

Outros estão sempre em evidência, todavia assemelham-se, infelizmente, às flores artificiais: são belas, enfeitam o ambiente, mas não têm perfume... [3]  

        

Dessas palavras, podemos afirmar que, mais importante que ser médium é ser bom. Se o médium não age por amor e não pratica a benevolência com desprendimento e devotamento, o dom mediúnico pouco lhe valerá perante a própria existência e a sua imortalidade.

        

O medianeiro – e o espírita de uma maneira geral – é uma pessoa como as demais. O que os diferencia, se é que algo os diferencia, é uma mais dilatada responsabilidade pelos conhecimentos adquiridos, principalmente quanto aos mecanismos da lei de causa e efeito e, consequentemente, um maior dever em servir. Assim, a mediunidade lhe representa uma abençoada oportunidade de trabalho e de reforma interior, porque, geralmente, suas dívidas são bastante grandes frente às leis divinas. Mas, ao se conscientizar de suas limitações, mais facilmente se consagrará à sua incumbência de forma consciente e responsável, ao passo que, convencido acerca de suas habilidades, com a mesma facilidade se exporá a sérios desequilíbrios, complicando-se ainda mais perante si mesmo.

        

No entanto, ao lado de possíveis esforços e lutas, mediunidade é também muita alegria. O medianeiro que serve com simplicidade, que não reclama da rotina das reuniões, que não reivindica atenção especial, que não se melindra e que honra com os seus compromissos, experimenta um júbilo íntimo tão intenso, que o galgar de planos mais elevados de sensibilidade e emoção se torna uma realidade constante.

        

Como que a complementar as palavras de Fernandes, o Espírito Hammed ressalta:

 

A mediunidade é fenômeno inerente ao processo evolutivo; faz parte da condição natural de todos os seres humanos. Não se pode impedi-la, pois seu desenvolvimento vai continuar independentemente de nossos medos, ilusões e incredulidade.

(...) A mediunidade está intimamente ligada à vocação, aptidão, realização, criatividade, espontaneidade, e desvinculada de qualquer obrigação ou pressão autoimposta.

(...) Não devemos forçar a eclosão das faculdades extrassensoriais. Mas podemos oferecer condições apropriadas para que venham a aflorar de forma espontânea e equilibrada.

Obrigação pode ser conceituada como tudo aquilo que nos é imposto ou forçado. Obrigar-se a algo ou a alguém implica ser governado pela expressão ilusória “deveria”.

“Devo desenvolver a mediunidade” equivale a dizer “não quero, mas sou obrigado a desenvolver”. Não somos obrigados a nada!

Mesmo quando realizamos algo significativo, se somente pensarmos nele como compromisso ou trabalho, sem o necessário gosto e motivação, alguma coisa estará errada conosco. Por mais que concretizemos feitos edificantes envolvidos por motivos sinceros, se sua realização não for feita com prazer/vocação, sentiremos mais esforço e imposição do que felicidade e conforto. Ninguém deve viver e trabalhar sem contentamento.

Deus não dá encargos e incumbências às criaturas, mas coloca nelas vocações ou predisposições inatas. Os dons espirituais são capacidades inerentes da alma. Vocação é um talento a ser exercido de uma forma exclusivamente nossa. A maneira como identificamos ou entendemos as nossas forças psíquicas determinará a produção mediúnica que teremos.

(...) A mediunidade se transforma em crescimento e amadurecimento espiritual quando for exercida com prazer e compreendida em termos de espontaneidade e predisposição natural. [4]

 

 

Silvia Helena Visnadi Pessenda

sivipessenda@uol.com.br

 

 

REFERÊNCIAS 

 

[1] MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998.

 

[2] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Tradução de Salvador Gentile, 9.revisão de Elias Barbosa. 36. ed. Araras, SP: IDE, 1995. Cap. XIV. Item 159.

 

[3] FERNANDES, Odilon (espírito); BACCELLI, Carlos A. (psicografado por). Mediunidade e doutrina. 7. ed. Araras, SP: IDE Editora, 1998. Cap. XX.

 

[4] HAMMED (espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). A imensidão dos sentidos. 3. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 2000. Cap. “Vocação, não obrigação”. p. 95.

 

 

FERNANDES, Odilon (espírito); BACCELLI, Carlos A. (psicografado por). Mediunidade e Evangelho. 3. ed. Araras, SP: IDE Editora. 1995.

 

SCHUTEL, Cairbar (espírito); GLASER, Abel (psicografado por). Conversando sobre mediunidade. 1. ed. Matão: Casa Editora O Clarim, 1993.

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