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“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!
entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”
(Mateus 7:21)
“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!
entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”
(Mateus 7:21)
Por que temos dificuldades em perceber as fragilidades que ainda carregamos? Por que preferimos ser reconhecidos apenas por nossas qualidades e virtudes? A superação de conflitos íntimos e o crescimento pessoal são coisas que conseguimos conquistar totalmente sozinhos?
Na obra O Evangelho segundo o Espiritismo, podemos encontrar o seguinte registro de Allan Kardec:
Caros amigos, sede severos para convosco, indulgentes para com as fraquezas dos outros; é ainda uma prática da santa caridade que bem poucas pessoas observam. Todos vós tendes más tendências a vencer, defeitos a corrigir, hábitos a modificar; todos tendes um fardo mais ou menos pesado a depor para escalar o cume da montanha do progresso. Por que, pois, serdes tão clarividentes para com o próximo e cegos em relação a vós mesmos? [1]
Os indivíduos, em sua grande maioria, apresentam certa dificuldade em perceber a fragilidade moral, emocional e intelectual que ainda carregam, somente enxergando-as na pessoa do próximo. São os outros, então, que possuem comportamentos inadequados, pensamentos negativos, emoções desequilibradas, medos e limitações.
Na realidade, em maior ou menor grau, todos nós ainda sentimos a necessidade de ser reconhecidos apenas por nossas qualidades e virtudes, porque cremos que demonstrar alguma forma de fragilidade pode nos colocar numa posição de inferioridade perante os demais.
Sendo assim, indivíduos existem em que a arrogância, a prepotência ou mesmo a segurança que demonstram em suas atitudes, não passam de um artifício para disfarçar a sensação de fracasso ou de inadequação que lhes vai n’alma.
No entanto, o espírito Hammed pondera:
Quando encaramos de forma tranquila a sensação de fragilidade que nos invade de tempos em tempos, é porque nos conscientizamos de que ela faz parte de nossa condição humana. Quando a admitimos em nossa constituição íntima, não temos mais a pretensão de sermos invulneráveis e fortes em todas as circunstâncias da vida. Encarar os pontos fracos e não se conformar com eles, mas mapeá-los e discernir a razão que os motivou. Alimentar a ideia de que somos super-homens é sustentar uma personalidade doentia. Não precisamos nos mostrar ‘durões’ e ‘formidáveis’ o tempo todo. Isso é utopia. [2]
Dificilmente alcançaremos o legítimo bem-estar se, em primeiro lugar, não nos conscientizarmos do quanto ainda somos falíveis e vulneráveis. Se não aprendermos a reconhecer nossas dificuldades íntimas, a manifestação de todo o potencial que já existe em nós ficará prejudicada. Por isso é que o apóstolo Paulo, certa feita, disse: “quando sou fraco, então, é que sou forte” (2Cor 12:10). [3]
Quantas são as vezes em que necessitamos da ajuda alheia para entender aspectos importantes de nossa própria personalidade, mas nos mantemos reclusos em nós mesmos, não permitindo com que outras pessoas possam nos mostrar ou ensinar coisas a nosso respeito. Assim, como se torna importante compreender que o crescimento pessoal não é algo que conseguimos conquistar totalmente sozinhos, porque a autossuficiência também tem seus limites! Concordemos ou não, é através dos relacionamentos que entendemos quem realmente somos e quais as reais motivações que nos impulsionam.
O Espírito Rosângela atesta:
Convenhamos que toda firmeza demonstrada por alguém, no campo da existência terrena, indiscutivelmente, se deve ao próprio ser, no que diz respeito ao empenho com que se dispõe à conquista. Não olvidemos, todavia, a participação oculta de mãos amigas e vozes atenciosas, de sorrisos fraternais (...), de guardiões invisíveis e do suporte familiar, (...) e tantos outros participantes pouco notados, que contribuem e instigam o indivíduo para atingir segurança através dos seus caminhos. [4]
É óbvio que precisamos do amparo da Sabedoria Divina, que carecemos das orientações intuitivas dos nossos amigos espirituais, mas, sobretudo, necessitamos dos companheiros de existência terrena, porque juntos somos muitos mais fortes do que cada um sozinho. E é a constatação dessa condição humana de fragilidade e de carência que nos fortalece para a luta que devemos empreender conosco mesmo. Nesse sentido, o escritor espírita Luiz Gonzaga Pinheiro afirma: “O próprio espírito traz em si mesmo a maior de todas as batalhas. A intransferível peleja para vencer a si mesmo.” [5]
Podemos afirmar que a criatura forte não é aquela que não possui fragilidades, mas a que é capaz de, ao administrar seus problemas, serena e confiantemente, utilizar as próprias fragilidades para o desenvolvimento das virtudes que, em essência, já carrega em si.
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Com o intuito de também demonstrar a fragilidade que todo ser humano carrega, o livro Boa Nova, no capítulo intitulado “A negação de Pedro”, traz a passagem da última reunião que Jesus teve com os seus discípulos. Através da interpretação do Espírito Humberto de Campos, essas teriam sido as palavras do Cristo:
– Aproxima-se a hora do meu derradeiro testemunho! Sei, por antecipação, que todos vós estareis dispersados nesse instante supremo. É natural, porquanto ainda não estais preparados senão para aprender. Antes, porém, que eu parta, quero deixar-vos um novo mandamento, o de amar-vos uns aos outros como eu vos tenho amado; que sejais conhecidos como meus discípulos, não pela superioridade no mundo, pela demonstração de poderes espirituais, ou pelas vestes que envergueis na vida, mas pela revelação do amor com que vos amo, pela humildade que deverá ornar as vossas almas, pela boa disposição no sacrifício próprio. [6]
Diante dessas palavras do Cristo, Pedro, sentindo-se indignado, retruca: “Não posso seguir-vos? Acaso, Mestre, podereis duvidar de minha coragem? Então, não sou um homem? Por vós darei a minha própria vida.”
O Cristo sorriu e informou-lhe que, naquela mesma noite, o galo não cantaria sem que ele – Pedro – o tivesse negado por três vezes. No entanto, mais uma vez Pedro contestou: “Julgai-me, então, um espírito mau e endurecido a esse ponto?”
Jesus, com o bom senso, perspicácia e doçura que lhe eram peculiares, finalizou: “Não, Pedro, não te suponho ingrato ou indiferente aos meus ensinos. Mas vais aprender, ainda hoje, que o homem do mundo é mais frágil do que perverso.”
E Pedro – que sempre condenara os transviados da verdade e do bem, que nunca perdoara as mulheres e os infelizes –, depois de ter negado Jesus por três vezes, teve a oportunidade de constatar não a sua maldade, mas o quanto ainda era inseguro e medroso. E em meio ao remorso e à angústia que lhe iam n’alma, recordou, então, das palavras de Jesus: “Pedro, o homem do mundo é mais frágil do que perverso!”
Todos nós ainda temos os nossos momentos de insegurança e de desequilíbrio. Não há quem não sinta o medo e a ansiedade em determinadas situações, ou se irrite diante de certas circunstâncias. No entanto, cada um de nós sente e expressa a própria fragilidade de uma maneira diferente. Uns derrubam lágrimas visíveis; outros choram por dentro. Uns exteriorizam seus sentimentos; outros, numa atitude inversa, os escondem. Uns, mesmo que contrariados, conseguem sustentar seus princípios e valores; outros, os deixam todos de lado.
Só não consegue admitir sua própria fragilidade quem possui uma vida sem qualquer princípio ético ou quem é incapaz de olhar para dentro de si mesmo. E o próprio Espiritismo nos estimula a essa interiorização, que somente ocorre através de profundas reflexões em busca da superação dos conflitos e do autoconhecimento.
Sendo assim, para finalizar, fiquemos com a questão 919, de O Livro dos Espíritos. Nela, Allan Kardec questiona:
“Qual o meio prático e mais eficaz para se melhorar nesta vida, e de resistir aos arrastamentos do mal?”
Resposta:
“Um sábio da antiguidade vos disse: Conhece-te a ti mesmo.”
E na sequência da mesma questão, ainda pondera:
“Compreendemos toda a sabedoria dessa máxima, porém, a dificuldade está precisamente em se conhecer a si mesmo; qual o meio de o conseguir?”
A resposta é do Espírito Santo Agostinho:
Fazei o que eu fazia de minha vida sobre a Terra: ao fim da jornada, eu interrogava minha consciência, passava em revista o que fizera, e me perguntava se não faltara a algum dever, se ninguém tinha nada a se lamentar de mim. Foi assim que consegui me conhecer e ver o que havia para reformar em mim. Aquele que, cada noite, lembrasse todas as ações da jornada e se perguntasse o que fez de bem ou de mal, pedindo a Deus e ao seu anjo guardião para o esclarecer, adquiriria uma grande força para se aperfeiçoar, porque, crede-me, Deus o assistiria. (...) As respostas serão um repouso para vossa consciência ou a indicação de um mal que é preciso curar.
O conhecimento de si mesmo, portanto, é a chave do progresso individual. Mas, direis, como se julgar? (...) Quando estiverdes indecisos sobre o valor de uma de vossas ações, perguntai-vos como a qualificaríeis se fosse feita por outra pessoa; se a censurais em outrem, ela não poderia ser mais legítima para vós, porque Deus não tem duas medidas para a justiça. [7]
Silvia Helena Visnadi Pessenda
REFERÊNCIAS
[1] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 195. ed. Araras, SP: IDE, 1996. Cap. 10. Item 18.
[2] HAMMED (espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). La Fontaine e o comportamento humano. 1. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 2007. Cap. “Não moram mais em si mesmos”. p.139.
[3] BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo Almeida. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
[4] Rosângela (espírito); TEIXEIRA, José Raul (psicografado por). Rosângela. 1. ed. Niterói, RJ: Fráter, 1996. Cap. 14. p. 99.
[5] PINHEIRO, Luiz Gonzaga. Doutrinação: diálogos e monólogos. 1. ed. Capivari,SP: Editora EME, 2003. Cap. “Animal estranho”. p. 141.
[6] CAMPOS, Humberto de (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Boa Nova. 20. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. Cap. 26.
[7] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 100. ed. Araras, SP: IDE, 1996.