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“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!
entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”
(Mateus 7:21)
“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!
entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”
(Mateus 7:21)
Termo com o qual constantemente nos deparamos no estudo da Doutrina Espírita, o que é o livre-arbítrio? Trata-se de um atributo humano absoluto? Todos sabem usá-lo de forma adequada? Por que fazemos escolhas cujas consequências acabam nos prejudicando? O acerto em nossas escolhas é de nosso próprio mérito? Será sempre o próprio indivíduo o responsável por seus atos? E se alguém influenciar negativamente seu livre-arbítrio, tem ele a mesma responsabilidade pelo desacerto de suas escolhas?
Arbítrio: “Resolução que depende só da vontade. Opinião”.
Livre-arbítrio: “Livre julgamento. Faculdade de o homem determinar-se a si mesmo”. [1]
O termo livre-arbítrio, com o qual nos deparamos, constantemente, no estudo da Doutrina Espírita, é a capacidade de escolher, dentre as várias alternativas que nos surgem, aquela que julgamos ser a mais conveniente e desejável, permitindo-nos, assim, determinar o que queremos para nós.
A fim de ilustrar tal capacidade de escolha e decisão, apresentamos a seguinte lenda:
Em uma vila da Grécia, vivia um sábio famoso por saber sempre a resposta para todas as perguntas que fossem feitas. Um dia, um jovem adolescente, conversando com um amigo, disse: “Eu acho que sei como enganar o sábio. Vou pegar um passarinho e o levarei, dentro da minha mão, até o sábio. Então, perguntarei a ele se o passarinho está vivo ou morto. Se ele disser que está vivo, espremo o passarinho, mato-o e deixo-o cair no chão; mas se ele disser que está morto, abro a mão e deixo-o voar”. Assim, o jovem chegou perto do sábio e fez a pergunta: “Sábio, o passarinho na minha mão está vivo ou morto?”
O sábio olhou para o rapaz e disse: “Meu jovem, a resposta está em suas mãos!” [2]
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Na questão 114 de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec pergunta:
“Os Espíritos são bons ou maus por natureza, ou são eles mesmos que se melhoram?”
Resposta:
“São os próprios Espíritos que se melhoram e, melhorando-se, passam de uma ordem inferior para uma ordem superior.” [3]
Com o estudo do Espiritismo, podemos aprender que todos nós fomos criados por Deus como espíritos simples e ignorantes [4].
Para que conhecêssemos a diferença entre o bem e o mal e, dessa forma, evoluíssemos por nossos próprios méritos, foi necessária a união de nosso espírito a um corpo físico. Então, desde a nossa criação, estamos progredindo através de milhares de encarnações.
Na questão 119, temos:
“Deus não poderia isentar os Espíritos das provas que devem suportar para alcançarem a primeira ordem (a ordem dos Espíritos puros)?”
Resposta:
“Se eles tivessem sido criados perfeitos não teriam mérito para desfrutar os benefícios dessa perfeição. Onde estaria o merecimento sem a luta?” [5]
No entanto, cada um de nós tem efetuado essa evolução da sua própria maneira e ritmo, fazendo com que o resultado de todas as escolhas e atitudes – comportamentos adotados no decorrer de nossa trajetória existencial – definissem o que somos na atualidade. E é somente esse progresso exclusivo e individual que consegue explicar, de maneira lógica e racional, as diferenças culturais, emocionais, morais e espirituais que ocorrem entre todos os indivíduos.
Questão 121:
“Por que certos Espíritos seguiram o caminho do bem e outros o do mal?”
Resposta:
“Não têm eles o livre-arbítrio? Deus não os criou maus, criou-os simples e ignorantes, isto é, com aptidão tanto para o bem quanto para o mal. Aqueles que são maus, assim se tornaram por sua vontade.” [6]
Sempre existiram inúmeros caminhos a serem seguidos e cada um de nós optou por aqueles que pareceram ser os mais convenientes.
Mas nem tudo o que julgamos ser o mais adequado é, verdadeiramente, o mais apropriado ao nosso bem-estar e integridade, porque o grau dessa percepção depende dos conhecimentos adquiridos, das experiências vividas e do quanto já conseguimos aprender e apreender sobre as virtudes que necessitamos conquistar, de modo a concretizarmos o próprio progresso.
Questão 117:
“Depende dos Espíritos apressar seu progresso para a perfeição?
Resposta:
“Certamente, eles o alcançam mais ou menos rapidamente segundo seu desejo e sua submissão à vontade de Deus. Uma criança dócil não se instrui mais rapidamente que uma criança insubmissa?” [7]
Somos todos criados com a possibilidade de errar e acertar, porque fomos gerados simples e ignorantes. E para incrementarmos ainda mais nossa bagagem evolutiva, precisamos buscar novos aprendizados, treinar aptidões, estar receptivos às várias experiências da vida, porém, sempre mantendo o devido cuidado e atenção para que não usemos negativamente o próprio livre-arbítrio, trazendo, com isso, prejuízos a nós mesmos.
Questão 122:
“Como podem os Espíritos, em sua origem, quando não tem a consciência de si mesmos, desfrutar da liberdade de escolha entre o bem e o mal? Existe neles um princípio, uma tendência qualquer que os incline mais para um caminho que para outro?”
Resposta:
“O livre-arbítrio se desenvolve à medida que o Espírito adquire a consciência de si mesmo. Ele não teria mais liberdade se a escolha fosse determinada por uma causa independente da sua vontade. A causa não está nele, está fora dele, nas influências a que cede em virtude de sua vontade livre. É a grande figura da queda do homem e do pecado original; alguns cederam à tentação, outros a resistiram.” [8]
O apóstolo Paulo – consciente de que o uso da “faculdade de o homem determinar-se a si mesmo” deve, principalmente, trazer dignidade e paz de espírito – chegou a alertar (1Co 10:23): “Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm; todas são lícitas, mas nem todas edificam”. [9]
Questão 123:
“Por que Deus tem permitido que os Espíritos possam seguir o caminho do mal?”
Resposta:
“A sabedoria de Deus está na liberdade que ele deixa a cada um escolher, porque cada um tem o mérito de suas obras.” [10]
Livre-arbítrio
O livre-arbítrio é a faculdade que o ser humano tem de eleger o seu próprio caminho, resistindo ou cedendo às suas boas ou más tendências e às influências que recebe dos Espíritos elevados ou inferiores (...).
A cada prova que tem pela frente, durante o estágio na Crosta, incide o bem ou o mau uso do seu livre-arbítrio, conforme este esteja sendo utilizado mais ou menos próximo aos ensinamentos de Jesus.
O livre-arbítrio do homem jamais é tolhido ou influenciado pelo de outrem – encarnado ou desencarnado – sem que queira ou consinta. Se as suas decisões são desviadas do primeiro intento, na verdade tal situação é permitida, consciente ou inconscientemente, pela própria pessoa que está decidindo: situações de interferência no campo das decisões tomadas no plano material podem emergir de obsessões ou influenciações, às quais todos os seres humanos estão sujeitos, porém o mau uso do livre-arbítrio, originado dessas influências de entidades inferiores, não afasta a responsabilidade do encarnado, que permite essa aproximação e, por vezes, a dominação de seus passos por tais Espíritos. Enfim, o homem é sempre responsável por seus atos quando se desvia da trilha do bem.
A crosta terrestre, por ser ambiente evolucional neutro, confere a todo indivíduo a possibilidade de vencer qualquer prova que tenha à frente, bastando-lhe a aplicação da fé, o exercício da força de vontade e a promoção da reforma íntima.
Deve, pois, o homem resistir às suas más tendências, afastando idéias desviadas do Evangelho e desvinculando-se de qualquer assédio nesse sentido por parte dos encarnados ou desencarnados. Nesse contexto, ao receber inspirações ou intuições dos Espíritos Superiores, cabe ao seu livre-arbítrio aceitá-las e assimilar cada uma ou não. Se as acolher, estará exercitando positivamente o seu poder de decisão plena.
Por vezes ocorrem intuições ordenativas, ou seja, sugestões transmitidas energicamente pelo Plano Superior. Mas, mesmo nessa forma, não suprimem a livre aceitação por parte do receptor da mensagem.
Não se deve falar em abuso do livre-arbítrio, mas tão somente em bom ou mau uso do mesmo. O ser humano tem opções livres a escolher durante a sua jornada terrena. Pode usar seu poder de decisão como lhe aprouver, arcando sempre com as consequências de seus atos, positivos ou negativos. Desvios nessa senda decisória fazem parte do processo evolutivo, já que o encarnado não deixa de aprender também com seus erros. [11]
Semeadura
“Não vos iludais; de Deus não se zomba.
O que o homem semear, isso colherá”
(Gálatas, 6:7)
A assertiva do Apóstolo dos Gentios nesta passagem é expressiva. Assinala uma orientação essencial a todos aqueles que estão buscando o desenvolvimento e crescimento espiritual.
Aqueles que possuem total identificação com o Senhor da Vida guardam em seu poder uma máxima capacidade de entendê-lo, por isso afirmam: “Não vos iludais; de Deus não se zomba”.
Zomba-se ou desdenha-se das coisas a que não se dá importância, e essa desconsideração ou irreverência pode ter como resultado uma semeadura amarga: “O que o homem semear; isso colherá”.
(...) A pior colheita é a dos frutos da desventura: não crer em si (como Espírito imortal) nem em Deus, e prosseguir vivendo nessa condição.
Felicidade é o subproduto de nossa responsabilidade pelo uso do livre-arbítrio. Autorresponsabilidade é conquista de quem reconheceu que ninguém pode nos fazer feliz, uma vez que felicidade é trabalho interior – pode ser compartilhada, entretanto cada um deve conquistá-la por si mesmo.
Somos nós que escolhemos os valores éticos, culturais, ideológicos, religiosos e afetivos, de acordo com nossa coerência interna e nosso grau evolutivo. No entanto, precisamos, igualmente, compreender que o controle sobre a nossa vida não é ilimitado, nem absoluto.
Livre-arbítrio não significa onipotência ou poder soberano. É uma possibilidade de decidir, uma força em nossa vida, não há dúvida, mas não a única que dirige a existência humana.
De épocas em épocas, somos atingidos por forças que independem de nossa vontade consciente – ambientais, culturais, genéticas, políticas e outras tantas –, as quais visivelmente não foram objeto de nossa escolha.
Podemos ter livre-arbítrio sobre como vamos responder a essas forças, mas não sobre o controle de sua ação e determinação.
(...) São considerados alienados todos aqueles que vivem sem conhecer ou avaliar os fatores sociais, religiosos, éticos e culturais que os condicionam a viver da forma que vivem e também aqueles que não percebem os impulsos íntimos que os levam a agir de maneira que agem.
“Não vos iludais; de Deus não se zomba. O que o homem semear, isso colherá”.
Não são poucos os ‘zombadores conscientes’ que menosprezam e depreciam sem perceberem as incontáveis revelações providenciais que recebem todos os dias. Por não notarem com nitidez a Suprema Luz agindo em toda a parte, semeiam ilusões no terreno da própria alma e vivem indolentes desinteressados e descrentes diante das verdades eternas.
O que sentimos, pensamos e fazemos é nossa semeadura, e não querer assumir nossos sentimentos, pensamentos e atitudes também o é.
Somos em síntese a causa e o efeito de nossos atos e atitudes. A responsabilidade pessoal e o livre-arbítrio implicam a obrigatoriedade de respondermos por nossas decisões e comportamentos adotados. [12]
Silvia Helena Visnadi Pessenda
REFERÊNCIAS
[1] MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998.
[2] RIBEIRO, Lair. Sua vida em suas mãos. A essência da vida: a arte de viver. Coleção Pensamentos de Sabedoria. São Paulo: Editora Martin Claret Ltda, 1997. p. 57-58. (literatura não-espírita)
[3] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 100. ed. Araras, SP: IDE, 1996. Livro II. Cap. I. q. 114.
[4] Idem. q. 115.
[5] Idem. q. 119.
[6] Idem. q. 121.
[7] Idem. q. 117.
[8] Idem. q. 122.
[9] BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo Almeida. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
[10] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 100. ed. Araras, SP: IDE, 1996. Livro II. Cap. I. q. 123.
[11] SCHUTEL, Cairbar (espírito); GLASER, Abel (psicografado por). Conversando sobre mediunidade. 1. ed. Matão: Casa Editora O Clarim, 1993. Cap. 14. p. 166-168.
[12] HAMMED (espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). Um modo de entender: uma nova forma de viver. 1. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 2004. Cap. 7. p. 33-38.