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“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!
entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”

(Mateus 7:21)

Vigilância

 

 

A atenção que a vigilância requer poupa-nos de maiores problemas? No que consiste a tentação? O que é ser tentado? A vigilância pode nos precaver das tentações?

 

 

No Evangelho de Mateus (26:26-46), temos que Jesus, após a última ceia, e sabedor de que seu fim era próximo, dirigiu-se ao Getsêmani – jardim ou horto situado ao redor de Jerusalém e ao pé do monte das Oliveiras, levando consigo Pedro, Tiago e João. Era noite, e quando chegou ao local, assim lhes disse:

 

“Assentai-vos aqui, enquanto eu vou ali orar. (...) A minha alma está profundamente triste até à morte; ficai aqui e vigiai comigo.” [1]

        

O significado da palavra vigiar, especificamente nesse caso, equivale a estar de vigília ou sentinela.  E estar de vigília é o “estado de quem à noite se conserva desperto, atento”, velando ou tomando conta de algo ou de alguém. Em outras situações, vigiar também pode representar: “observar atentamente; acautelar-se, precaver-se”. [2]

        

Depois dessas palavras, Jesus se afastou e assim orou a Deus:

 

“Meu pai, se possível passe de mim esse cálice (imagem usada para se referir a um sofrimento, castigo ou prova difícil). Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres.”

        

E, voltando para os discípulos, encontrou-os dormindo, e foi dizendo a Pedro:

 

“Então, nem uma hora pudestes vós vigiar comigo? Vigiai e orai (ou seja, fiquem acordados e orando comigo), para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca.” Podemos afirmar que a intenção dos discípulos até era manterem-se despertos, mas cederam à tentação do sono.

        

No entanto, a interpretação evangélica para o termo vigiar também diz respeito à necessidade de tomarmos as devidas precauções, sustentando, assim, o indispensável equilíbrio e lucidez, para perceber além das aparências e, com isso, escolher o que verdadeiramente será o melhor para nós, nas várias situações de nosso cotidiano.

        

Com isso, o “vigiai e orai” consiste em um alerta sempre oportuno a envolver a razão e a emoção de cada um de nós. A razão, porque é através de sua observação atenta e constante que nos conscientizamos de nossas negativas predisposições íntimas. A emoção, porque é ela que nos ajuda a estabelecer, através da prece, uma sintonia mais intensa com Deus e com o plano espiritual superior, de modo a nos fortalecermos, moralmente, perante as dúvidas e os conflitos. Sendo a fé espírita caracterizada pelo uso da razão, necessariamente, ela converge esses dois indutores de nosso aprimoramento intelecto-moral: a mente e o coração.

        

Quanto à importância desse comportamento cuidadoso, o Espírito Miramez ensina:

 

Se o homem fosse espírito puro, não estaria reencarnado na Terra, sofrendo as duras consequências deste plano. A evolução é uma lei criada por Deus, e é contemplando os horizontes da Terra, que os espíritos se tornam conscientes das necessidades das lutas que devem empreender, para se libertarem do pesado fardo da ignorância em que se encontram.

Desde os primeiros instantes em que ingressa pelas portas da reencarnação, o espírito carrega consigo a bagagem das experiências e das necessidades, e se vê ante as lutas indispensáveis que vai enfrentar com o dragão dos seus instintos inferiores.

(...) Para o combate, a primeira arma necessária é a vigilância. Quem não aprendeu a vigiar, continua caindo nas armadilhas dos lobos. E como o Evangelho diz que só lobos caem em armadilha de lobos, os que não conseguem vigiar, continuam a ser lobos.

(...) Vigiar constitui a primeira defesa da alma na batalha consigo mesma: policiar suas mais caras experiências contra as investidas do mal que deturpa, da ignorância que desestimula, da sombra que entristece.

O exercício do pensamento poderá ser uma lavoura de conhecimentos inesgotáveis e, desse manejo individual, tiraremos lições valiosas, porque a razão constitui professor insubstituível, no templo do coração.

(...) Com esse exercício, os sentimentos tomarão outros rumos, e a alma entrará na era dos pensamentos puros, frutos da vigilância com Jesus, ensinada pelo Evangelho. A vigilância é a força que constrói, nas almas, as boas tendências. Deves vigiar no pensar, no falar e no viver.  [3]

 

O “vigiai e orai” é um ensinamento tão relevante, que o próprio Cristo deixou um modelo de prece. Assim, no Sermão da Montanha (Mt 6:9-13), ensinou a oração dominical, ou o Pai Nosso, pedindo em um de seus pontos: “e não nos deixeis cair em tentação; mas livrai-nos do mal.” [1]

        

A tentação traduz-se por um “impulso íntimo dirigido para o pecado, originado dos instintos inferiores ou da malignidade do tentador”. E pecado expressa-se por meio de uma “transgressão da lei, ou de um preceito religioso ou qualquer regra”. [2]

        

Na realidade, esse desejo mais intenso sempre tem origem em nós, muito embora possa ser estimulado por fora de nós. É nesse sentido que o Espírito André Luiz afirma: “Cada um é tentado exteriormente pela tentação que alimenta em si próprio”.  [4]

        

É natural a todo ser humano possuir anseios e necessidades. E a diligência pela conquista de compensação e gratificação para as suas mais variadas aspirações é que o impulsiona ao desenvolvimento pessoal, à superação de obstáculos, à obtenção de bem-estar. Entretanto, existem criaturas que nem sempre conseguem bem direcionar essa busca de satisfações.

Principalmente aquelas que possuem sérias carências íntimas, algumas complicações podem lhes ocorrer, uma vez que procuram concretizar no mundo exterior muito dos anseios conflituosos que alimentam em sua mente e em seu coração. E é nesse contexto que o mecanismo da tentação pode acontecer: quando algo no exterior acena com a possibilidade de uma gratificação interior, porém, de forma inadequada.

        

Em vista disso, o Espírito Emmanuel realça:

 

Ser tentado é ouvir a malícia própria, é abrigar os inferiores alvitres de si mesmo (os inferiores desejos, necessidades, anseios), porquanto, ainda que o mal venha de fora, somente se concretiza e persevera se com ele afinizamos (ou seja, se mantemos sintonia), na intimidade do coração.  [5]

 

Daquilo que apreendemos do estudo da Doutrina Espírita, podemos afirmar que, qualquer que seja a tentação, ela sempre representará uma espécie de prova, diante da qual poderemos constatar o grau de nosso adiantamento moral.

        

Mas, em virtude de esse impulso se caracterizar por uma força viciada que se exterioriza de nós, tende a nos predispor a inferiores e maléficas influências, sejam elas oriundas do mundo físico ou do mundo espiritual, porque toda sintonia com o negativo começa, invariavelmente, com a negatividade que acalentamos no íntimo.

 

Cada qual de nós vive e respira nos reflexos mentais de si mesmo, angariando as influências felizes ou infelizes que nos mantêm na situação que buscamos... [4]

 

Daí a importância do alerta de Jesus, o “vigiai e orai”, porque, através da prece, temos a possibilidade de captar, com maior facilidade, a salutar influência dos espíritos que nos amam e que sempre procuram nos intuir nas melhores decisões e atitudes. Se atentarmos para as suas palavras, percebemos que, ao deixar-nos o Pai Nosso, ele não nos ensinou a pedir o afastamento ou supressão das tentações, mas a força necessária para vencê-las.

 

 

 

Sintonia

 

“Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e vos será aberto” (Mt 7:7)

 

Todas as coisas que existem no Universo vivem em regime de afinidade. Desde o átomo até os arcanjos tudo é atração e sintonia. Nada que te alcança a existência é ocasional ou fruto de uma reação sem nexo.

 

Teu livre arbítrio indica com precisão a posição que ocupas no Cosmo, uma vez que cada indivíduo deve a si mesmo a conjuntura favorável ou adversa em que se situa no momento atual.

 

Vieste da inconsciência – simples e ignorante – e, pela lei da evolução, caminhas para a consciência escolhendo a estrada a ser percorrida.

 

         Encontrarás o que buscas.

 

         Tens a posse daquilo que deste.

 

         Convives com quem sintonizas.

 

         Conhecerás o que aprendeste, mas somente incorporarás na memória o que vivenciaste.

 

         Avanças ou retrocedes de acordo com a tua casa mental.

 

         Felicidade e infelicidade são subprodutos do teu estado íntimo.

 

         Amigos são escolhas de longo tempo.

 

         Teu círculo doméstico é a materialização de teus anseios e de tuas necessidades de aprendizagem.

 

         Pelo seu jeito de ser, conquistarás admiração ou desconsideração.

         O que fizeres consigo hoje refletirá no teu amanha, visto que o teu ontem decidiu o teu hoje.

 

Com teus pensamentos, atrais, absorves, impulsionas ou rechaças. Com tua vontade, conferes orientação e rumo, apontando para as mais variadas direções. Disse Jesus: ‘Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e vos será aberto’.

Sintonia é a base da existência de toda alma imortal. Seja na vida física seja na vida astral, a lei de afinidade é princípio divino regendo a ti, a todos os outros e a tudo.

 

Observa: viver no drama ou na realidade, na aflição ou na serenidade, na sombra ou na luz, é postura que está estritamente relacionada com teu modo de sentir, pensar e agir.  [6]

 

 

 

Silvia Helena Visnadi Pessenda

sivipessenda@uol.com.br

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

[1] BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo Almeida. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

 

[2] MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998.

 

[3] MIRAMEZ (espírito); MAIA, João Nunes (psicografado por). Alguns ângulos dos ensinos do Mestre. 5. ed. Belo Horizonte: Editora Espírita Cristã Fonte Viva. Cap. “Vigilância”. p. 63-65.

 

[4] ANDRÉ LUIZ (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Ação e Reação. 21. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2001. Cap. 8. p. 111.

 

[5] EMMANUEL (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Caminho, verdade e vida. 16. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. Cap.129.

 

[6] HAMMED (espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). Um modo de entender: uma nova forma de viver. 1. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 2004. Cap. 40. p. 145-146.

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