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“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!
entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”
(Mateus 7:21)
“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!
entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”
(Mateus 7:21)
Por que projetamos nossos anseios de felicidade naquilo que os outros podem e “devem” nos proporcionar? Por que desejamos que os outros preencham nossos “vazios” emocionais? Somos seres verdadeiramente incompletos? Por que nem sempre o “casaram-se e foram felizes para sempre” acontece?
Estudos comportamentais apontam que, desde a primeira infância, cada indivíduo nutre modelos idealizados de como deveria ser e/ou se comportar aqueles que com ele convive. E à medida que essa pessoa se desenvolve com o passar dos anos, e mesmo durante a fase adulta, tais modelos podem persistir, visto ser esse o padrão que ela definiu para si e que deseja em seus relacionamentos.
Sendo assim, podemos constatar quão grande é o número de criaturas que, em suas mais diversas relações, deseja viver o mito da fusão: a mais completa afinidade nos pensamentos, nos sentimentos e no comportamento.
Conforme o ensino dos Espíritos Superiores, constante da Doutrina Espírita, em mundos avançados, isso até é uma realidade. Mas, em nosso atual estágio evolutivo, essa aspiração não passa de uma fantasia, salvo raríssimas exceções.
E quando o assunto é a relação com parceiro afetivo, a pessoa pode projetar, de maneira ainda mais intensa, seus anseios de felicidade nas promessas românticas que a outra faz – e que muitas vezes não correspondem à verdade e nem são passíveis de total realização –, alimentando a ilusória expectativa de que alcançará a ventura plena. Com isso, uma passa a buscar a outra com a errônea concepção de que é um ser incompleto e que seu bem estar depende, quase que exclusivamente, do que lhe será oferecido e proporcionado.
Aliás, segundo o que podemos aprender com o Espiritismo, ignorar as infinitas possibilidades que trazemos n’alma, bem como depositar nossas perspectivas de felicidade no mundo exterior, esperando que as pessoas e as circunstâncias satisfaçam muitos de nossos desejos, anseios e necessidades, são as duas mais profundas raízes de nosso sofrimento. Assim adverte o Espírito Hammed:
Quando esperamos que os outros supram nossas carências e que nos façam felizes gratuitamente, não estamos verdadeiramente amando, porém explorando-os.
Ao identificarmos jogos de manipulação, procuremos relembrar nossa verdadeira missão na Terra, pois sabemos que não viemos a esse mundo a fim de agradar aos outros ou viver à moda deles, mas sim aprender a amar a nós mesmos e aos outros, sem condições.
Em muitas ocasiões, fundimos nossos sentimentos com os de outros seres – cônjuge, pais, filhos, amigos e irmãos – e perdemos nossas fronteiras individuais, por ser, momentaneamente, conveniente e cômodo. A partir de então, esperamos constantemente retribuições deles, nossos amados, e sofreremos se eles não fizerem tudo como desejamos. [1]
Todavia, o Espírito Emmanuel apresenta o “reverso da medalha”:
Desejávamos pensassem pelas idéias que nos orientam a estrada, mas trazem consigo vocações e tendências, ideal e visão muito diversos daqueles que nos caracterizam a marcha.
(...) Anelávamos situá-los nos figurinos de felicidade que nos parecem mais justos e aconselháveis; entretanto, permanecem guiados pelo Governo da Vida para outros tipos de felicidade que ainda não chegamos a conhecer.
(...) Por tudo isso, aprendamos a observar nos entes amados criaturas independentes de nós, orientadas, frequentemente, noutros rumos e matriculados em outras classes na escola da experiência.
E, acima de tudo, reconhecendo quão importante se faz a liberdade para o desempenho das obrigações que nos foram assinaladas, saibamos respeitar neles a liberdade que igualmente desfrutamos, perante as Leis do Universo, a fim de crescerem e se aperfeiçoarem na condição de livres filhos de Deus. [2]
Emmanuel ressalta o inconveniente de se alimentarem irreais expectativas em relação ao comportamento alheio, em razão de se crer que, se o(s) outro (s) agisse(m) diferentemente, tudo seria muito melhor. Mas, essa situação é preferível para quem? O que é o mais sensato e acertado para um, também o será para os demais?
Assim, a imposição de nossas irreais perspectivas nos restringe quanto à compreensão e à aceitação dos pontos de vista alheios. Não permitimos ao outro o direito de nutrir os próprios sentimentos, bem como o de adotar comportamento diverso daquilo que idealizamos. Tornamo-nos, então, autoritários, possessivos. E o autoritarismo e a possessividade, paulatinamente, desgastam qualquer convivência, fazendo com que as decepções, as desilusões e as frustrações ocorram, como consequência da ânsia de se querer moldar o outro dentro dos próprios padrões. Mas a decepção, a desilusão e a frustração, na realidade, nada mais são do que a visita da verdade.
Discorrendo sobre a maturidade necessária na condução de qualquer relacionamento, o Espírito Joanna de Ângelis elucida:
Manter a própria individualidade, sem ruptura da personalidade do outro, é atitude de segurança no convívio de duas pessoas que se amam.
Em um relacionamento feliz, a pessoa nunca se encontra autodefensiva, mas autorreceptiva, sabendo que todos os fenômenos daí decorrentes são aprendizagens para futuros comportamentos. Tratando-se de duas pessoas que se aproximam, é totalmente improvável que sejam iguais, no sentido de serem destituídas de personalidade, e que tenham sua forma de ser e de encarar a vida, não sendo obrigadas a mudar de conduta somente porque que se vinculem a outrem. Ocorre que a presença do amor faz que as diferenças de opinião e de comportamento diminuam as distâncias, colocando pontes de afinidade e de interesses.
Desde que não haja a paixão de um impor a sua forma de pensar e de agir sobre o outro, nenhuma diferença constitui impedimento, quando são respeitados os direitos de continuar a viver conforme melhor aprouver, sem agredir a quem comparte a convivência.
(...) Assim, para que o relacionamento dessa natureza seja saudável, dependerá de ambas as partes, crescendo sempre na busca do melhor entendimento, mantendo suas próprias raízes, sem as alterar somente porque deseja agradar o outro, o que constitui uma ilusão, já que ninguém pode viver ao lado de outrem que somente quer ser agradado sem o interesse de brindar o equivalente ao que recebe.
(...) Num relacionamento feliz não há manipulação nem mistificação, mas autenticidade sem agressividade e verdade sem rudeza...
Avançando na direção da meta de repartir alegrias e compartir júbilos, os relacionamentos, conjugais ou não, serão sempre saudáveis. [3]
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Apesar do elevado número de divórcios, o mito do “casaram-se e viveram felizes para sempre” ainda continua empolgando muitos apaixonados.
Com isso, existem criaturas que se consorciam, alimentando as mais altas expectativas com relação a essa união, bem como nutrindo o mais profundo entusiasmo de fazer tudo o que for preciso para que encontrem o devido êxito. No entanto, muitas não possuem os necessários conhecimentos e nem as mais apropriadas aptidões que tal intento requer. E quando as divergências e as tensões começam a surgir... simplesmente não sabem como lidar com elas!
Conquanto possa ser bastante complicado esperar profundas e radicais mudanças na personalidade do cônjuge, é razoável contar com algumas modificações e certas adaptações em ambos, de modo que o “nós” prevaleça sobre o “eu”. Alguns desejos, necessidades e maneiras de se fazerem as coisas simplesmente precisam ser alterados, visando o bem estar da união. E esse esforço possibilita a criação de “pontes de afinidade e interesses”. Aliás, conforme o Espiritismo, essa é uma das finalidades da formação da família: o aprendizado que a convivência propicia, justamente para que a personalidade e o caráter de seus membros possam ser aprimorados e criarem-se, assim, indestrutíveis laços de amizade, de respeito, de solidariedade, de amor.
Numa relação em que haja um mínimo de maturidade e boa vontade, quando as partes estão realmente dispostas a se ajudarem mutuamente, imprescindíveis mudanças passam a ocorrer no caráter dos envolvidos, mesmo que cada indivíduo continue mantendo e preservando sua própria individualidade.
O Espírito Hammed, ao abordar sobre a importância do autoconhecimento na construção de relacionamentos satisfatórios e enriquecedores, ensina:
O autoconhecimento nos dá a habilidade de saber como e onde agem nossos pontos frágeis a até a quem atribuímos nossas emoções e sentimentos. Caminhar no processo do autoconhecimento significa desenvolver gradativamente o respeito aos nossos semelhantes, impedindo que façamos projeções triviais e levianas de nossas deficiências nos outros.
Apenas quando tivermos um considerável conhecimento de nós mesmos é que poderemos ajudar efetivamente alguém. Se desconhecermos nosso mundo interior, como poderemos transmitir segurança e determinação ou dar força aos outros? O autoconhecimento requer constante autorreflexão.
Muitos relacionamentos não dão certo porque as pessoas não olham para dentro de si mesmas, não percebendo, assim, seus pontos vulneráveis e limitações. Quando atenuamos ou amenizamos as críticas a nosso respeito e a respeito dos outros, estamos assimilando de forma verdadeira as lições que o autoconhecimento nos proporciona.
Não são os grandes conflitos que tornam nossas relações (de negócios, de amizade, de família, conjugais) malsucedidas, e sim um conjunto de ‘insignificantes diferenças’, reunidas através de longo período de tempo. Cobranças, indelicadezas, petulância, insensibilidade, autoritarismo, desinteresse, impaciência, desrespeito – essas pequenas faltas no dia-a-dia podem destruir até mesmo as mais antigas e afetuosas convivências.
(...) O desconhecimento de nossa vida interior profunda nos conduz ao vale da incompreensão de nossos sentimentos para com nós mesmos e para com os outros.
Lembremo-nos de Jesus Cristo, o Notável Terapeuta de nossas almas, ao analisar os conflitos que atormentam os seres humanos, por não admitirem os diversos aspectos da própria sombra: “Assume logo uma atitude conciliadora com o teu adversário, enquanto estás com ele no caminho, para não acontecer que o adversário te entregue ao juiz e o juiz ao oficial de justiça e, assim, sejas lançado na prisão (Mt 5:25)”.
Nossos piores inimigos ou adversários estão dentro de nós, não fora. É imprescindível nos reconciliarmos com os opositores íntimos, ou seja, enxergar com bastante nitidez nosso ‘lado escuro’, para atingir paz e tranquilidade de espírito.
Não somos necessariamente aquilo que parecemos ser. O autoconhecimento é a capacidade inata que nos permite perceber de forma gradativa, tudo que necessitamos transformar. Ao mesmo tempo, amplia a consciência sobre os potenciais adormecidos, a fim de que possamos vir a ser aquilo que somos em essência. [4]
Conveniência
“... Quando derdes a jantar ou a cear, para isso não convideis nem vossos amigos, nem vossos irmãos, nem vossos parentes, nem vossos vizinhos que serão ricos, de modo que eles vos convidem em seguida, a seu turno, e que, assim, retribuam o que haviam recebido de vós”
(Cap. XIII, item 7, O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO)
Fazer o bem pelo único prazer de fazê-lo, amar sinceramente dando o melhor de nós mesmos sem pensar em retribuições - eis a base do amor incondicional.
O desinteresse é o melhor antídoto para afastar falsas amizades. Convidar à mesa os pobres, os estropiados, os coxos e os cegos - na recomendação de Jesus - é angariar relacionamentos satisfatórios, leais, estimulantes, sem segundas intenções.
Talvez por querermos levar vantagens e proveito em tudo, tenhamos atraído para o nosso círculo afetivo amizades vazias, distorcidas e além de tudo verdadeiras parasitas de nossas energias e por isso nos sentimos inadaptados ao meio em que vivemos.
Mas se amarmos por amar, encontraremos criaturas que não se preocuparão com as escalas hierárquicas e nos aceitarão como somos; não esperarão de nós toda a sabedoria para todas as respostas, apenas compartilharão conosco o carinho de bons amigos.
O refrão da conveniência é: “vou te amar se...”
Se me recompensar, serei teu amigo.
Se você me convidar, eu te prestigiarei.
Se você ficar sempre a meu lado, eu te amarei.
Se você concordar comigo, concordarei com você.
Jesus nos pede desinteresse nas relações, e não imposições de conformidade com as nossas paixões. Ele nos ensina a lição de não manipularmos ocasiões, porque toda cobrança fragiliza relacionamentos, e em verdade é uma questão de tempo para que tudo venha a ruínas.
Os sentimentos verdadeiros não são mercadorias permutáveis, mas alimentos nutrientes das almas que nos dão fortalecimento durante as provas e reerguimento frente às lutas expiatórias.
Quando esperamos que os outros supram nossas carências e nos façam felizes gratuitamente, não estamos verdadeiramente amando, mas explorando-os.
Ao identificarmos jogos de manipulação, procuremos relembrar nossa verdadeira missão na Terra, pois sabemos que não viemos a este mundo a fim de agradar os outros ou viver à moda deles, mas para aprender a amar a nós mesmos e aos outros, sem condições.
Em muitas ocasiões fundimos nossos sentimentos com os de outros seres - cônjuge, pais, filhos, amigos, irmãos - e perdemos nossas fronteiras individuais, por ser momentaneamente conveniente e cômodo. A partir de então esperamos constantemente retribuições deles, nossos amados, e sofreremos se eles não fizerem tudo como desejamos.
Esquecemos de abrir o círculo da afetividade para outros seres e não percebemos o quanto é saudável e imensamente vitalizante essa postura. Continuamos a convidar à mesa somente aqueles com quem fazemos questão de compartilhar mútuos interesses.
Embora, de início, não avaliemos o mal que essa atitude nos causa, é possível que soframos a solidão num amanhã bem próximo. Os laços afetivos podem ser desfeitos pela morte física ou por separações outras e, por termos restringido nossos círculos afetivos, sentiremos a tristeza de quem se acha só e abandonado como se tivesse perdido o ‘chão’.
A observação dos jogos sociais nos dará sempre uma real percepção de onde existem encontros unicamente realizados para busca de vantagens simuladas e proveitos pessoais. E para que possamos promover autênticos encontros, providos de sinceridade e boas intenções, é preciso sermos primeiramente honestos com nós mesmos, a fim de atrairmos as legítimas aproximações, através de nossos pensamentos e propósitos de lealdade e de franqueza.
A vantagem dos relacionamentos sinceros é uma abertura de nossa afetividade em círculos cada vez maiores, que por sua vez, edificarão uma atmosfera de carinho e lealdade em torno de nós mesmos, atraindo e induzindo criaturas francas e maduras a partilharem conosco toda uma existência no Amor. [1]
Silvia Helena Visnadi Pessenda
REFERÊNCIAS
[1] HAMMED (espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). Renovando Atitudes. 2. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora. 1997. Cap. “Conveniência” .
[2] EMMANUEL (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Rumo certo. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. Cap. 20.
[3] ÂNGELIS, Joanna de (espírito); FRANCO, Divaldo Pereira (psicografado por). O despertar do espírito. 4. ed. Salvador, BA: Livr. Espírita Alvorada. 2000. Cap. “Relacionamentos humanos”. p. 146-147.
[4] HAMMED (espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). Os prazeres da alma. 1. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora. 2003. Cap. “Autoconhecimento”. p. 61-64.
CALLIGARIS, Rodolfo. A vida em família. 9. ed. Araras, SP: IDE Editora. 1983