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“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!
entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”

(Mateus 7:21)

Sexo

 

 

Por que a busca do prazer sexual é condenada por muitas religiões? Se buscarmos o prazer sexual, estaremos procedendo de maneira pecaminosa? A prática sexual deve objetivar apenas a reprodução? Será que a atual liberdade sexual tem proporcionado a satisfação que o ser humano tanto deseja? Como os postulados espíritas entendem tão controversa questão?

        

        

Falar sobre sexo ainda é se aventurar tanto para o moralismo repressor como para a liberalidade irresponsável.

        

A mais antiga função da sexualidade humana é a reprodução e, a mais moderna, o prazer. Entretanto, relacionado a esse assunto, ainda existe um sistema de preconceitos, tabus, mitos e culpabilidade, decorrente de ideologias religiosas e culturais, segundo o qual somente no casamento o sexo é parcialmente liberado.

        

As religiões, que no passado se faziam responsáveis pela orientação filosófica e comportamental dos indivíduos, em razão da austeridade de seus conceitos e crenças, controlaram a expressão sexual através de proibições e punições, e, ao condenarem a busca de satisfação física e emocional, permitiram apenas que ela fosse considerada em seu aspecto reprodutivo. Apesar de muitas dessas normas estarem bastante modificadas, ainda existem religiões que, ao encararem com excessivas restrições o prazer, impedem, por exemplo, o uso de anticoncepcional ou de preservativos, mesmo nas relações conjugais.

        

No entanto, na prática, a atividade sexual tem dois aspectos distintos: o reprodutivo e a busca de satisfação física. Segundo pesquisas, atualmente, 99% das relações que um casal tem durante sua vida em comum visam ao prazer.

        

Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, na questão 719, pergunta à Espiritualidade Maior:

“É repreensível ao homem procurar o bem-estar?”   [1]

        

Resposta:

“O bem-estar é um desejo natural. Deus não proíbe senão o abuso. Ele não incrimina a procura do bem-estar, se esse bem-estar não é adquirido às custas de ninguém, e se não deve enfraquecer, nem vossas forças morais, nem vossas forças físicas.”

 

O prazer, em si mesmo, não é condenável, visto que o ser humano sempre se encontra empenhado na obtenção de alguma forma de bem-estar, seja na realização de uma atividade, na aquisição de novos conhecimentos, ao sentir-se com boa saúde, durante a alimentação, em seu repouso. Com isso, podemos deduzir que a inconveniência na busca do prazer sexual não diz respeito a algo inerente ao sexo propriamente dito, mas a quem o pratica, quando essa criatura é movida por vulgares sentimentos e desequilibradas motivações.

        

Complementando as considerações acima, apresentamos o parecer de três entidades espirituais sobre tão “desconcertante” assunto. Para muitas pessoas ele ainda o é.

        

1 – Joanna de Ângelis:

 

Freud, com muito acerto, descobriu na libido (desejo sexual) a resposta de inúmeros transtornos psicológicos e físicos, psiquiátricos e comportamentais que afligem o ser humano.

(...) Examinando a sociedade como vítima da castração religiosa ancestral, decorrente das inibições, frustrações e perturbações de seus líderes, que através de mecanismos proibitivos para o intercâmbio sexual, condenavam-no como instrumento de sordidez, abominação e pecado, teve a coragem intelectual e científica de levantar a bandeira da libertação, demonstrando que o gravame se encontra mais na mente do indivíduo do que no ato propriamente dito.

(...) A contribuição de Freud para a libertação da criatura humana, arrancando-a da hipocrisia vitoriana e clerical anteriores, dando-lhe dignidade, é de valor inestimável.

(...) O que tem faltado é conveniente orientação educacional para a vida sexual, assim como equilíbrio por parte de religiosos e educadores, líderes de massas e agentes multiplicadores sociais, que sempre refletem as próprias dificuldades de relacionamento e vivência sexual.  [2]

 

2 - Cairbar Schutel:

 

Sexo tem um sentido de troca positiva de sensações e vibrações carnais e fluídicas.

(...) Não se retira do ato sexual, com isso, o seu característico de prazer. É prazer e continuará sendo no mundo material. Deve ser, inclusive, para justificar e incentivar a sua prática. Não é fonte exclusiva para a procriação, mas, sobretudo, para troca de energias e sentimentos entre os seres que se unem para um consórcio de vida, permutando experiências e desenvolvendo projetos. [3]

 

3 - André Luiz:

 

O instinto sexual não é apenas o agente de reprodução entre as formas superiores, mas, acima de tudo, é o reconstituinte das forças espirituais, pelo qual as criaturas encarnadas se alimentam mutuamente, na permuta de raios psíquico-magnéticos que lhe são necessários ao progresso.  [4]

 

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Se sempre existiram restrições ao sexo, que, por sua vez, prejudicaram o pleno potencial das relações íntimas, será que a atual liberdade sexual tem proporcionado o equilíbrio e a satisfação que o ser humano tanto deseja?

        

Quando se sai da repressão e não se sabe usar a liberdade, há uma tendência psicológica no ser humano para cair no exagero e no descontrole comportamental.

        

Parecia que a denominada liberação sexual contribuiria para que as criaturas se tornassem mais realizadas emocionalmente. Entretanto, isso não vem ocorrendo. Da mesma forma que a demorada castração religiosa e cultural não produziu pessoas saudáveis, sendo que isso foi objeto de pesquisa de Freud e tantos outros estudiosos, a atual permissividade também não está conseguido trazer às pessoas a tão esperada realização. Na realidade, da maneira descompromissada como muitos estão lidando com sua expressão sexual, tal prática tem produzido mais angustiados e insatisfeitos do que se poderia imaginar.

        

Ao longo do tempo, a criatura humana criou o costume do namoro e do noivado, antecedendo o casamento, para que pudesse conhecer e até se adaptar ao caráter e à personalidade do futuro cônjuge. Entretanto, com o amplo acesso a informações pelos mais jovens, que ainda não possuem maturidade suficiente para digeri-las a contento, com o uso indiscriminado de anticoncepcionais e a liberação dos costumes, têm surgido algumas práticas que são, no mínimo, discutíveis.

        

Uma delas, por exemplo, é o “ficar”, palavra que designa o encontro e a permanência de jovens de sexos opostos – e até do mesmo sexo –, que, muitas vezes, sequer se conhecem, e, durante tal encontro, trocam todo tipo de carícias, podendo variar de um simples beijo até relações sexuais. Outra novidade é a intensificação do sexo casual, sem nenhum compromisso anterior ou posterior ao ato.

        

Ana Maira Fonseca Zampieri, doutora em Psicologia Clínica e estudiosa da sexualidade humana, diz:

 

Em alguns grupos sociais brasileiros observo que se antes os tabus, o medo do pecado, da culpa e da vergonha reprimiam o sexo, hoje, com as facilidades e estimulações oferecidas pela mídia e pelas relações virtuais, ser virgem, por exemplo, é ser retrógrada e o rapaz precisa experimentar várias mulheres. Esta é outra forma de repressão: a da tirania do sexo que deve existir na vida dos jovens. Pensamos que a obrigatoriedade do chamado ‘ficar’ da atualidade pode também fazer parte desta tirania (a necessidade de se seguir o que o grupo “estipula”, para ser reconhecido e aceito pelo mesmo. Ou seja, a pessoa age de acordo com o que dita o meio no qual está inserida, sem questionar a validade das razões e motivações). [5]

 

Sexo não deve ser tratado como tabu, mas também não pode ser a representação da libertinagem. Do mesmo modo que relacionamento sexual traz alegria e prazer à alma, pode conduzir à tristeza e à angústia, se praticado irresponsavelmente.

 

O Espírito Hammed elucida:

 

Sem amor e afeição, o ato sexual é apenas a expressão de uma necessidade orgânica que se esvai quando termina a carga erótica, não contribuindo em quase nada para o relacionamento afetivo nem para o desenvolvimento do amor.

Nossa necessidade de amor irá existir durante toda a nossa existência de Espíritos imortais. Não importa a idade, sexo, a instrução cultural e o requinte social, ele sempre precisará de ternura.  [6]

 

Quando os postulados espíritas advogam sobre a necessidade de afetividade ou de amor na prática sexual, não o fazem obedientes a preceitos de essência religiosa, mas atendendo aos princípios de elevação e harmonia que vigoram no Universo. Ainda do Espírito Cairbar Schutel, temos:

 

Por que não no cenário das relações instáveis e como mero prazer carnal? Porque, nesse prisma, não difere dos demais desvios de conduta que o encarnado adota para a satisfação artificial, portanto material, de suas necessidades.

(...) Tratar o relacionamento sexual meramente no campo instintivo – ou mesmo no da sensação, algo intermediário entre instinto e sentimento, mas ainda rudimentar – é empobrecê-lo.

Praticar o ato sexual por instinto ou por sensação de prazer, sem sentimento, é animalizá-lo.

Compreensível que muitos, ainda por parca evolução espiritual, o façam. Desejável, entretanto, não é.  [3]

 

Conforme considerações anteriores, podemos afirmar que o Espiritismo não condena ou afasta o sexo; apenas educa o ser humano, esclarecendo que tal função é de extrema importância para sua plenificação pessoal, mas sem representar uma dependência exclusiva. A questão, portanto, não está em atitudes de abstinência física, como se pensou durante muitos séculos, mas em seu saudável direcionamento.

        

Em torno do sexo, será justo sintetizarmos todas as digressões nas normas seguintes:

Não proibição, mas educação.

Não abstinência imposta, mas emprego digno, com o devido respeito aos outros e a si mesmo.

Não indisciplina, mas controle.

Não impulso livre, mas responsabilidade.

Fora disso, é teorizar simplesmente, para depois aprender ou reaprender com a experiência.

Sem isso, será enganar-nos, lutar sem proveito, sofrer e recomeçar a obra da sublimação pessoal, tantas vezes quantas se fizerem necessárias, pelos mecanismos da reencarnação, porque a aplicação do sexo, ante a luz do amor e da vida, é assunto pertinente à consciência de cada um. [7]

 

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Atualmente, temos o conceito de sexo responsável como sendo aquele praticado com todas as cautelas quanto à indesejável gravidez ou quanto à prevenção da AIDS e das doenças sexualmente transmissíveis. Todavia, na literatura espírita, sexo responsável é o realizado depois de confirmada a presença da genuína afetividade, com real amadurecimento físico-emocional do casal, após razoável período de convivência, em que as idéias e, sobretudo, os ideais sejam convergentes.

Claro que tal período também será propício a carinhos, mas tal qual as estações climáticas, uma adequada à preparação do plantio, outra à semeadura, outra ao cultivo e a quarta, à colheita, assim também deverá ser administrada a atração recíproca de um casal.

 

Para concluir nossas considerações, o escritor espírita Rodolfo Calligaris, ao abordar sobre a considerável influência que a sexualidade exerce na vida do casal, argumenta:

 

Está mais do que provado que um perfeito ajustamento sexual garante o equilíbrio sentimental dos cônjuges (quando o autor escreveu esse livro, as relações estáveis ainda não estavam tão popularizadas. Mas devemos aplicar estas palavras para todos aqueles que tenham vida em comum), predispondo-os a uma recíproca tolerância, ao passo que as insatisfações, nesse domínio, fá-los sentirem-se desarmonizados com eles próprios, inclinando-os a considerarem imperdoáveis as mínimas delicadezas.

As relações sexuais dos recém-casados, dos esposos de meia idade e dos que estejam próximos a comemorar bodas de ouro, conquanto decrescentes no tocante à frequência, pois cada idade tem o seu ritmo próprio, devem conservar, sempre, o mesmo valor, ou seja, devem continuar sendo a expressão máxima do amor que os uniu um dia, acenando-lhes com a felicidade.

É lamentável que não poucos cônjuges encarem o casamento como uma espécie de negócio que, uma vez fechado, os dispensa de qualquer cuidado no sentido de agradar, prender e seduzir o parceiro, com o que matam todo o encanto da vida em comum.

Outros, então, fazem pior. Esquecendo-se de que o contrato matrimonial lhes impõe deveres recíprocos, rompem unilateralmente os compromissos assumidos, sem a menor atenção para com o parceiro, lesando-o, assim, em seus legítimos direitos.

(...) E não será porque alguns consideram o ato sexual, erroneamente, como algo imoral e repulsivo, nem porque outros dele abusem, transformando-o em vício (a luxúria), que se deve malsiná-lo, deixando de reconhecer a alta contribuição que oferece à felicidade conjugal.

(...) Releva frisar, por último, que o ajustamento sexual dos cônjuges mui raramente se verifica desde os primeiros tempos da união; quase sempre é o resultado de um lento processo de aperfeiçoamento, ou seja, de um perseverante esforço de adaptação física e espiritual, ao longo de anos e anos. [8]

 

 

Silvia Helena Visnadi Pessenda

sivipessenda@uol.com.br

 

 

REFERÊNCIAS

 

[1] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 100. ed. Araras, SP: IDE, 1996.

 

[2] ÂNGELIS, Joanna de (espírito); FRANCO, Divaldo Pereira (psicografado por). O despertar do espírito. 4. ed. Salvador, BA: Livr. Espírita Alvorada, 2000. Cap. “Problemas psicológicos contemporâneos”.

 

[3] SCHUTEL, Cairbar (espírito); GLASER, Abel (psicografado por). Fundamentos da reforma íntima. 3. ed. Matão: Casa Editora O Clarim, 2000. Cap. “Sexualidade”.

 

[4] ANDRÉ LUIZ (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Evolução em dois mundos. 14. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. Cap. “Sexo e corpo espiritual”.

 

[5] ZAMPIERI, Ana Maria Fonseca. Erotismo, sexualidade, casamento e infidelidade: sexualidade conjugal e prevenção do HIV e da AIDS. São Paulo: Ágora, 2004. Capítulo “Gênero e sexualidade conjugal”.  (literatura não-espírita)

 

[6] HAMMED (espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). Os prazeres da alma. 1. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 2003. Cap. “Amor”.

 

[7] EMMANUEL (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Vida e sexo. 22. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. 2001. Introdução.

 

[8] CALLIGARIS, Rodolfo. A vida em família. 9. ed. Araras, SP: IDE Editora, 1983. Cap. “As relações sexuais no casamento” e “O ajustamento sexual entre os cônjuges”.

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