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“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!
entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”

(Mateus 7:21)

Espírita

 

 

 

Em quais condições os postulados da Doutrina Espírita devem ser aceitos pelos espíritas? São estes obrigados a se submeterem às orientações e às instruções do Espiritismo? O espírita faz uso de convenções e formalismos, de rituais e atitudes supersticiosas, de imagens e símbolos? Para ser espírita basta frequentar uma casa espírita ou participar de reuniões mediúnicas? A simples crença nas manifestações dos espíritos aprimora o indivíduo? O fato de um indivíduo dizer-se espírita faz dele alguém especial ou abençoado? O que é ser espírita?

 

 

        

Em razão de o Espiritismo ter surgido de uma investigação científica – porque fez uso da observação, do estudo e da experimentação – para o entendimento do fenômeno das mesas girantes, e de possuir uma filosofia que revela uma concepção nova do homem, do mundo e de Deus, estabelece, desse modo, uma relação diferente entre a fé e a razão, entre a ciência e a religião.

        

Seu objetivo é ampliar o entendimento e a percepção dos indivíduos que desejam uma visão mais consistente da vida e de si mesmos, mostrando-lhes como compreender e enfrentar melhor suas questões existenciais, de modo a conquistarem maior segurança em suas realizações. Não existe, portanto, de sua parte a pretensão de converter quem quer que seja, porque proclama a liberdade absoluta de consciência; e isso significa dizer que os seus postulados não devem ser aceitos nem pelo medo, nem pelo constrangimento ou pela imposição. Todos aqueles que o aceitam, devem fazê-lo de maneira espontânea, sobretudo porque o desejam como proposta de vida.

        

Onde se encontra, então, a força do Espiritismo? Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, assim se expressa:

 

Seria fazer uma ideia bem falsa do Espiritismo crer que ele haure sua força na prática de manifestações materiais (nos fenômenos de intercâmbio do mundo espiritual com o mundo material) e que assim, entravando essas manifestações, pode-se miná-lo em suas bases. Sua força está em sua filosofia, no apelo que faz à razão e ao bom senso. (...) Fala uma linguagem clara, sem ambiguidade. Nele, nada há de místico e de alegorias suscetíveis de falsas interpretações. Ele quer ser compreendido por todos, porque é chegado o tempo de fazer o homem conhecer a verdade. Longe de se opor à difusão da luz, a quer para todos. Não reclama uma crença cega, mas quer que se saiba por que se crê. Apoiando-se sobre a razão, será sempre mais forte do que aqueles que se apóiam sobre o nada. [1]   

 

Podemos afirmar que a principal característica do movimento espírita é a liberdade intelectual e espiritual, porque o Espiritismo não recomenda a adoção cega de coisa alguma. Há, nele, instruções e orientações, mas ninguém é forçado a se submeter a elas. Por isso é que ele estimula seus seguidores a tudo examinarem e a construírem suas próprias convicções a partir da observação e do entendimento racional. Obviamente que os adeptos da Doutrina Espírita são indivíduos livres, mas aprendem com ela a conhecer, a entender e, sobretudo, a respeitar essa mesma liberdade.

 

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“Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas, ou, se o quiserem, os espiritistas.” [2]

 

O espírita conduz sua religiosidade sem fazer uso de convenções e formalismos, de rituais e atitudes supersticiosas, de imagens e símbolos.

        

No entanto, não basta frequentar uma casa espírita ou participar de reuniões mediúnicas, para que uma pessoa se considere adepta da Doutrina. O verdadeiro espírita é aquele que, ao se conscientizar dos postulados do Espiritismo, procura adequar seu próprio comportamento às normas morais que decorrem desses princípios.  

 

O Espiritismo só reconhece como adeptos os que põem em prática os seus ensinamentos, isto é, que trabalham a sua própria melhoria moral, porque é o sinal característico do verdadeiro espírita. [3]

Que importa acreditar na existência dos Espíritos, se essa crença não torna melhor, mais benevolente e indulgente para com os seus semelhantes, mais humilde, mais paciente na adversidade? [4]

 

A simples crença nas manifestações dos espíritos não aprimora ninguém, e o fato de um indivíduo dizer-se espírita não faz dele alguém especial ou abençoado. Como ser um espírita verdadeiro, ou seja, uma criatura empenhada na própria melhoria, conforme considerações de Kardec?

        

O escritor espírita José Martins Peralva (1918-2007), em sua obra Estudando o Evangelho, nos recomenda a adoção de três práticas: a prática do estudo, a da meditação e a do trabalho.

        

Comecemos pelo estudo.

        

O Espiritismo é, sim, uma doutrina que estimula o equilíbrio, o bom senso e a educação dos indivíduos, se eles quiserem se educar por sua própria vontade. Porém, muitos daqueles que o procuram, assim o fazem apenas para resolver seus problemas mais urgentes, esperando, com isso, curas, milagres e socorro, amparo e proteção, sem se interessarem em conhecê-lo mais detalhadamente. Assim, Martins Peralva explica:

 

O estudo se obtém através da leitura do Evangelho, dos livros da Doutrina Espírita e de quaisquer obras educativas, religiosas ou filosóficas, que o levem a projetar a mente na direção dos ideais superiores.

O estudo deve ser meditado, assimilado e posto em prática, a fim de que se transforme em frutos de renovação efetiva, positiva e consciente: “Conhecereis a Verdade e a Verdade vos fará livres”. [5]

 

Nem estudo, sem a prática da bondade; nem bondade desprovida de conhecimento. Mas, se a busca por conhecimentos caracterizar-se por experiência meramente intelectual, o estudioso poderá se tornar uma pessoa presunçosa e vaidosa. Daí a importância do estudo com o objetivo de se alcançar, sobretudo, patamares mais elevados de melhoria moral.

 

A segunda prática sugerida por Martins Peralva é a da meditação:

 

A meditação é o ato pelo qual se volve o homem para dentro de si mesmo, onde encontrará a Deus (...).

 Através da prece, na meditação, obterá o homem a fé de que necessita para a superação de suas fraquezas e a esperança que lhe estimulará o bom ânimo, na arrancada penosa, bem como o conforto e o bem-estar que lhe assegurarão, nos momentos difíceis, o equilíbrio interior.

Na meditação e na prece, haurirá o homem a sua própria tonificação, o seu próprio fortalecimento moral e a inspiração para o bem.

 

O meditar nos possibilita uma revisão mais aprofundada e ponderada dos muitos conceitos, crenças e concepções que alimentamos; e é através desse refletir sobre a própria realidade, interna e externa, que temos a oportunidade de analisar, de maneira ainda mais eficiente, a qualidade dos sentimentos, pensamentos e comportamento que ainda vigoram em nós.

        

A terceira prática sugerida por Martins Peralva é a do trabalho, que se configura sob três aspectos distintos: o material, o espiritual e o moral.

        

O espírita não é, necessariamente, um indivíduo virtuoso, mas alguém que tem maiores condições de ser consciente de suas próprias dificuldades e, por causa disso, aproveitar melhor os instantes de sua existência para convertê-los em oportunidade de crescimento e iluminação.

        

O Espiritismo, por ser ele uma doutrina da autorresponsabilidade, estimula seus adeptos à conquista de resultados práticos coerentes com a dignidade, ao ensinar que a tarefa de melhoria moral e espiritual depende do livre-arbítrio de cada um. Nesse sentido, Allan Kardec aponta:

 

A experiência não vos prova, espíritas, até onde pode ir o poder da vontade, pelas transformações verdadeiramente miraculosas que vedes se operar? Dizei-vos, pois, que o homem não permanece vicioso senão porque quer permanecer vicioso; mas aquele que quer se corrigir sempre o pode, de outra forma a lei do progresso não existiria para o homem. [6]

O espírita deve pensar que sua vida inteira deve ser um ato de amor e de devotamento. [7]

 

O espírita esclarecido sabe que somente ele terá que arcar com as consequências naturais de suas escolhas e opções, porque não está ele fadado a prêmios ou punições e nem é Deus que escolhe as dificuldades ou as facilidades pelas quais passa ou passará.

        

Assim, através do trabalho material, propriamente dito, o espírita cumpre seus deveres para consigo mesmo, para com a sua família e para com a sociedade de que participa; pelo trabalho espiritual, amplia seus conhecimentos e experiências na condição de ser imortal; e no campo da atividade moral, tem o ensejo de superar as imperfeições que ainda carrega, bem como sublimar as virtudes que já possui.

        

Podemos afirmar que, à medida que o espírita vai compreendendo, sentindo e aceitando, de coração, a mensagem renovadora do Espiritismo, passa a ser, muitas vezes sem o notar, um elemento proveitoso ao meio onde vive. E é para essa utilidade que o escritor espírita José Benevides Cavalcante, em sua obra Fundamentos da Doutrina Espírita, argumenta:

 

O Espiritismo faz questão absoluta que todos os seus adeptos sejam pessoas esclarecidas sobre a verdade da doutrina e a aceitem por convicção, por decisão própria e não por coação ou por interesses outros. Mas quer, acima de tudo, que os espíritas – por terem a certeza na vida futura e fé em Deus – esforcem-se para se tornarem melhores, para corresponderem àquilo que a sua consciência lhes pede todos os dias.

Já ouvimos alguém afirmar que, quando uma pessoa chega ao Espiritismo, ela começa a percorrer um longo caminho que deve passar necessariamente por três fases, ao final das quais podemos dizer que essa pessoa é verdadeiramente espírita. Quais são essas fases? Primeira, a fase em que a pessoa entra para o Espiritismo; segunda, a fase em que o Espiritismo entra nessa pessoa; e, terceira, a mais difícil, a fase em que o Espiritismo já pode sair de dentro dela, manifestando-se em sua conduta de amor diante de si mesmo, diante de seus semelhantes e diante de Deus. [8]

 

 

Silvia Helena Visnadi Pessenda

sivipessenda@uol.com.br

 

 

REFERÊNCIAS

 

[1] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 100. ed. Araras, SP: IDE, 1996. Cap. “Conclusão”. Tópico VI. p. 406.

 

[2] Idem. Introdução. Tópico I. p. 9.

 

[3] KARDEC, Allan. Revista espírita: jornal de estudos psicológicos: Ano décimo segundo – 1869. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2005. Mês de Janeiro. Cap. “Processo das envenenadoras de Marselha”. p. 36.

 

[4] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 36. ed. Araras, SP: IDE, 1995. Capítulo XXIX da 2ª parte. Item 350. p. 406.

 

[5] PERALVA, José Martins. Estudando o Evangelho. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. Cap. 3.

 

[6] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 195. ed. Araras, SP: IDE, 1996. Cap. IX. Item 10. p. 130.

 

[7] Idem. Cap. V. Item 27. p. 93.

 

[8] CAVALCANTE, José Benevides. Fundamentos da Doutrina Espírita. 4. Ed. Capivari, SP: Editora EME, 2011. Cap. 8 da 4ª parte. p. 148-149.

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