Estudo do Evangelho

“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!
entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”

(Mateus 7:21)

08 - O Sermão do Monte (ou da Montanha) - Mt 5.1 a 7.29

 

 

 

Esclareço que não sou especialista no assunto e nem alimento a pretensão de esgotá-lo. Apenas gosto de pesquisar e estudar, de tomar contato e de me inteirar de várias outras concepções, bem como compartilhar o fruto de minhas buscas e descobertas. Mas sempre apresentarei o que o Espiritismo e a sua literatura tem a dizer sobre a questão. Os livros e demais fontes que não pertencerem ao movimento espírita, serão assim sinalizados.

 

 

 (Obs. Textos com maiores detalhes sobre os propósitos, objetivos e características de cada evangelho serão publicados na seção TEXTOS AUXILIARES. Sobre o Evangelho de Mateus e de Marcos já se encontram lançados. Ou demais estão sendo elaborados.)

 

 

 

 

 

Considerações Gerais

 

 

O primeiro, principal e mais famoso discurso de Jesus (Mt), o Sermão do Monte ou da Montanha, caracteriza-se por um conjunto de consolações (as bem-aventuranças) e diversos outros ensinos e exortações dirigidos aos sofredores, cansados e oprimidos, bem como aos seus discípulos e demais ouvintes.

        

Em Mateus, consta do capítulo 5.1 ao 7.29, com alguns de seus fragmentos em Lucas (6.20-49) e em outras partes deste e de Marcos.

 

        

Por abranger vários temas de ordem material e espiritual, Jesus expõe as bases de sua doutrina moral de um modo bastante popular e de fácil entendimento, ilustrando seus ensinamentos com situações e experiências do dia a dia com as quais as pessoas já estavam habituadas.

 

De a Bíblia de Jerusalém:

Jesus expôs o espírito novo do Reino de Deus (4,17+) em discurso inaugural, que Mc omitiu (Mc 3,19+) e do qual Mt e Lc (6,20.49) apresentam duas redações diferentes. Lc suprimiu, como menos interessante para os seus leitores, o que dizia respeito às leis ou às práticas judaicas (Mt 5,17-6,18); Mt, ao contrário, inclui palavras pronunciadas em outras ocasiões (ver os seus paralelos em Lc), a fim de obter um programa mais completo. Estrutura de base: 1º Introdução (5,1-16); 2º Nova interpretação da Lei moral bíblica (o decálogo, os grandes mandamentos do amor a Deus e ao próximo, os deveres de piedade) (5,17 - 7,12); 3º Conclusão (7,13-29). Esta interpretação nova representa o aprofundamento e a interiorização. [1]  p. 1710

 

 

De Therezinha Oliveira, quanto aos seus princípios éticos-morais:

A importância de seu conteúdo: muitos consideram este sermão de Jesus como a norma da vida cristã. Certamente, bastaria seguir-lhe as recomendações para se alcançar grande evolução espiritual. [2] p. 217

 

 

De a WIKIPEDIA, quanto aos objetivos maiores de seus enunciados: a conquista e a vivência do Reino de Deus (ou dos Céus):

Nestes discursos, Jesus Cristo profere lições de conduta e moral, ditando os princípios que normatizam e orientam a verdadeira vida cristã. Estes discursos podem ser considerados por isso como um resumo dos ensinamentos de Jesus a respeito do Reino de Deus, do acesso ao Reino e da transformação que esse Reino produz.

John Stott, teólogo e escritor, diz que a essência do Sermão da Montanha foi o apelo de Cristo aos seus seguidores para serem diferentes de todos os demais. "Não sejam iguais a eles", disse Jesus (Mt 6.8). O reino que Cristo proclamou deve ser uma contracultura, exibindo todo um conjunto de valores e padrões distintos. Desse modo, ele fala de justiça, influência, piedade, confiança e ambição, e conclui com um desafio radical para que se escolha o caminho Dele. [3]

 

  

De Carlos Torres Pastorino:

Penetramos, agora, num capítulo da Boa Nova, que todo cristão deveria ler, de joelhos, diariamente, vivendo-o intensamente. Constitui um dos mais perfeitos, elevados e completos cursos de iniciação profunda. Se todos os livros de espiritualidade do mundo se perdessem, mas restasse apenas este trecho, bastaria ele para levar as criaturas à perfeição mais extremada, ao adeptado * (?) mais avançado, levando-nos - se vivido integralmente - à libertação total dos ciclos reencarnatórios. [4] p. 85

 

* (Obs. Esta palavra, adeptado, encontra-se na versão que consultei, porém, não consegui localizar seu significado. Mantive-a, assim, de acordo com a fonte de pesquisa. O negrito e a interrogação são meus.)

 

 

 

A introdução do Sermão. Análise em paralelo de Mateus e Lucas

 

 

 

Mateus 5.1-2:

 

"Vendo as turbas, subiu ao monte. Após assentar-se, aproximaram-se dele os seus discípulos, e, abrindo a boca, os ensinava, dizendo:" [5]  p. 49

 

 

 

Diz-nos Mateus que Jesus "subiu ao monte", provavelmente não muito longe de Cafarnaum, cidade na qual se concentravam suas atividades. Para alguns, trata-se do monte Cornos de Hattin, perto da cidade de Tiberíades (margem oeste do lago de Genesaré). Essa é a tradição de Jerusalém, pois nos remete à lembrança da subida de Moisés ao monte Sinai (Êx 19.1-24), no qual Deus lhe fala da Sua lei. 

 

"Assentar-se" era a postura adotada pelos Sábios Hebreus, os rabinos e os mestres religiosos quando ensinavam.

 

"Abrir a boca" é uma expressão idiomática * semítica utilizada para introduzir algum discurso formal ou para indicar uma comunicação solene ou confidencial (Is 53.7, Ez 3.27, Sl 78.2). [5] p. 49

 

(* "Uma expressão idiomática ou idiotismo (do grego ίδιωτισμὀς, que vem do latim idiotismus) é um conjunto de duas ou mais palavras que se caracteriza por não ser possível identificar o seu significado mediante o sentido literal dos termos que constituem a expresão. Assim, sua tradução literal não faz sentido numa outra língua de estrutura análoga, por ter um significado não dedutível dos significados dos elementos que a constituem. Desta forma, em geral, é muito difícil ou mesmo impossível traduzir as expressões idiomáticas para outras línguas, sendo o caso de expressões como "A vaca foi para o brejo", "Cair o Carmo e a Trindade" e "Ver Braga por um canudo". As expressões idiomáticas muitas vezes estão associadas a gírias, jargões ou contextos culturais específicos a certos grupos de pessoas que se distinguem pela classe, idade, região, profissão ou outro tipo de afinidade. Muitas destas expressões têm existência curta ou ficam restritas ao grupo onde surgiram, enquanto algumas outras resistem ao tempo e acabam por ser usadas de forma mais abrangente, extrapolando o contexto original. Neste último caso, a origem histórica do seu significado muitas vezes perde-se de todo ou fica limitada a um relativamente pequeno grupo de usuários da língua.")  [6]

 

De Estudo aprofundado da Doutrina Espírita:

Quem, efetivamente, deseja ajudar necessita "elevar-se". Elevação que define segurança, autoridade, sem perda da humildade. A subida ao monte indica esforço, capacitação, saber colocar-se acima, isto é, com humildade e adequação, em nível de entendimento dos que necessitam de auxílio e de esclarecimentos.

No ato de "assentar-se", o Mestre promove o necessário ajuste vibracional para que ocorra uma melhor e efetiva possibilidade de atender à grande massa que se eleva, pelos fios da fé e da esperança, estabelecendo-se, então, vigoroso processo de sintonia.

Vemos na frase: "aproximaram-se os discípulos", a capacidade de saber valer-se das boas oportunidades, oferecidas pelas circunstâncias, em razão da misericórdia divina. É no campo fértil das ocorrências diárias que se manifestam as bênçãos do Criador em favor das criaturas, canalizando recursos de aprendizagem, necessários ao trabalho de crescimento espiritual.

(...) A boca, além da função ligada à ingestão de alimentos e ao início do processo digestivo, é o instrumento de manifestação da palavra. Neste sentido, os ensinos de Jesus derramavam amor e profundas vibrações de consolação à multidão, além de estimularem valiosas induções ao estudo e ao trabalho naqueles que se mantinham sintonizados com as suas orientações. O esclarecimento emoldurado pelo carinho, pelo envolvimento afetivo de Jesus, tocava a quantos já se achavam predispostos às mudanças, empenhados na própria melhoria espiritual. [7]  p. 51

 

 

 

Lucas 6.17-20

 

"Descendo com eles, ficou em pé sobre um lugar plano; uma numerosa turba de discípulos dele e uma numerosa multidão do povo de toda a Judeia, de Jerusalém, e da costa marítima de Tiro e de Sidom, que vieram para ouvir e serem curados das suas doenças; os atormentados por espíritos impuros também eram curados. E a turba toda procurava tocar nele, porque dele saia poder, e curava todos. E, levantando os olhos para seus discípulos, dizia:"  [5] p. 279

 

 

 

Lucas, no entanto, apresenta a tradição de Antioquia, afirmando que Jesus desceu a um lugar plano, provavelmente na encosta de alguma colina também próxima de Cafarnaum, porém, dando-nos pormenores que Mateus resume. Tiro e Sidom são cidades não-judaicas situadas na costa do mar Mediterrâneo, ao norte da Galileia. Como em muitos outros casos, neste Evangelho, o vocábulo "discípulos" não se refere apenas aos doze diretos, mas a todos os seguidores de Jesus.

 

 

De Carlos Torres Pastorino:

Após a permanência em prece e a escolha dos doze, Jesus desce "até um lugar unido", ou seja, plano (embora isto não signifique que estava na planície do vale), onde teriam acesso mais fácil os doentes. 

(...) O sentido profundo justifica plenamente as duas escrituras. Em Mateus, onde todo o discurso é dado seguidamente, Jesus fala no monte, elevadamente, para as individualidades, ao Espírito. Em Lucas, dirige-se Jesus às personalidades, facilita Seu ensino, DESCE a "um lugar plano". Observamos que as bem-aventuranças em Lucas se referem ao plano físico: os pobres, os que choram, os que têm fome, que sentem essas angústias na carne, no corpo denso, e o Mestre se refere exatamente à pobreza de dinheiro, às lágrimas das dores, à fome de comida. E logo a seguir, condena os ricos, os que estão fartos, os que riem, tudo na parte material, coisa que não vemos em Mateus. Este dá-nos a parte espiritual, com elevação (monte) extra-terrena: cada um interpreta o ensinamento segundo seu diferente ponto de vista: Mateus, segundo o Espírito, segundo a individualidade; Lucas segundo o corpo, a personalidade. Daí ter escrito que Jesus DESCEU a um lugar plano.

Bastaria essa observação atenta, para convencer-nos, mesmo se não houvesse outras provas, que a linguagem dos Evangelhos tem profundo sentido simbólico e místico, embora os fatos narrados tenham realmente ocorrido no mundo físico; mas além da letra (que mata) temos que entender o Espírito (que vivifica). [4]  p. 84-86

 

 

 

Os valiosos ensinamentos do Sermão

 

 

(Obs.  Maiores detalhes sobre cada um serão posteriormente desenvolvidos em tópicos distintos. Aqui são apresentados de forma sucinta.)

 

 

1 - As bem-aventurança (Mt 5.1-12  e Lc 6.20-26)

 

Em seu discurso, Jesus começa descrevendo os que têm a possibilidade de alcançarem um genuíno contentamento, satisfação e realização na vida, sobretudo por reconhecerem sua necessidade espiritual. [8]

 

À primeira vista, várias bem-aventuranças parecem contradizer o sentido comum, porém, no contexto da época e dos propósitos de seus ensinos, são os verdadeiros valores e virtudes do Reino de Deus.

        

Seguindo a tônica dos profetas anteriores (Antigo Testamento), ele realça que os pobres e as pessoas comumente tidas como infelizes e amaldiçoadas também estão aptas a vivenciarem as bênçãos desse Reino.

 

Assim, a essência de sua mensagem não está em afirmar que ser pobre, desvalido e injustiçado necessariamente torne alguém feliz. Mas, geralmente, são os desfavorecidos e desesperançados que melhor reagem à sua proposta de consolo nas aflições. [8]

 

De a WIKIPEDIA:

As Bem-aventuranças são o anúncio da verdadeira felicidade, porque proclamam a verdadeira e plena libertação, e não o conformismo ou a alienação. Elas anunciam a vinda do Reino de Deus através da palavra e acção de Jesus, que tornam a justiça divina presente no mundo. A verdadeira justiça para aqueles que são inúteis, pobres ou incômodos para uma estrutura de sociedade baseada na riqueza que explora e no poder que oprime. As Bem-aventuranças revelam também o carácter das pessoas que pertencem ao Reino de Deus, exortando as pessoas a seguir este carácter exemplar. [3]

 

 

2 - A missão dos discípulos: o sal da terra e a luz do mundo (Mt 5.13-16;  Mc 9.49-50 e Lc 14.34-35)

 

O sal, além de dar sabor (Jó 6.6) e conservar os alimentos, representava a ausência de corrupção (Ez 43.22-24) e era usado em diversas cerimônias religiosas, já que as ofertas deveriam ser salgadas antes de serem apresentadas para a queima (Lv 2.13; Nm 18.19).

 

Por isso, era mantido em grande quantidade junto ao altar no templo de Jerusalém. [8]

 

Os discípulos de Jesus, por representarem também os sucessores dos profetas (Mt 10.41 e 13.17), metaforicamente são comparados ao “sal da terra” e à “luz do mundo”, no sentido de que essa ilibada e iluminada influência nas demais pessoas pode operar um efeito conservante e purificador: evitar a corrupção e a maldade moral e espiritual (a função do sal) e encontrar o caminho da libertação e da salvação (a função da luz).

 

 

3 - A lei, a justiça e o Reino (Mt 5.17-20; Lc 16.14-17)

 

Os líderes religiosos judaicos entendiam que Jesus violava a Lei de Deus (Dt 4.8+) e as tradições, percepção essa que culminou em sua crucificação e morte.

 

As escrituras judaicas são citadas nos evangelhos através da expressão "a Lei e (ou) os Profetas". Para os cristãos, é o Antigo Testamento.

        

No entanto, ele explica que não veio revogar ou destruir toda essa herança religiosa, mas que a mesma seria integralmente cumprida. E, demonstrando o seu respeito à Lei e às tradições, ainda que às vezes com afirmações contraditórias (Mt 5.21-48), ele as reinterpreta,  objetivando induzir seus seguidores a um padrão comportamental mais consciente e verdadeiro, mais perfeito (Mt 5.48), por ser esse o único caminho para a plena observância desse patrimônio cultural e religioso.

 

 

4 - Seis contrastes na interpretação da Lei (Mt 5.21-48; Lc 6.27-36 e 12.57-59)

        

São apresentados seis contrastes mediante a fórmula "Ouviste o que foi dito" (em referência à tradição judaica) e "Eu, porém, vos digo" (a reinterpretação da "Lei e os Profetas") sobre o tema da justiça (Mt 5.20) que, com Jesus, passa a ser superior à antiga:

"Por isso vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no Reino dos Céus."  [5]

        

O amor, em que já se resumia a Lei antiga (Mt 7.12; 22.34-40), torna-se o mandamento novo e inesgotável de Jesus (Jo 13.34) e o cumprimento de toda ela. [1] p. 1711

 

- do homicídio (5.21-26)

 

Ao lembrar que a Lei condena o assassinato (Êx 20.13; Dt 5.17), Jesus acrescenta a importância de não se alimentar animosidades de um para com o outro, para que a paz possa reinar na relação.

 

e - do adultério (5.27-32)

 

Nesse ensinamento, estão contidos dois contrastes: o adultério (Êx 20.14; Dt 5.18) e o repúdio à mulher (Dt 24.1-4; e cfe. também  Mt 19.7 e Mc 10.4).

 

Para Jesus, o simples fato de se persistir em um olhar para a companhia de outra pessoa, a ponto de sentir paixão por ela, já está caracterizado um adultério, ainda que o mesmo esteja ocorrendo apenas no íntimo da pessoa, em seu coração. E, a fim de evitar a concretização dessa situação, simbolicamente convém tomar medidas drásticas, tais como arrancar o olho ou cortar a mão, lançando-os para longe.

 

- dos juramentos (5.33-37)

 

Para não incorrerem em maiores responsabilidades, as pessoas juravam por quaisquer ou por coisas menores. Por conta disso, segundo a tradição, certos juramentos obrigavam mais do que outros (Lv 19.12; Nm 30.2; Dt 23.21-22).

 

Mas, ao enfatizar a preponderância da sinceridade e da verdade no ato de falar, Jesus ensina que todos sempre devem ser fieis à sua própria palavra (se sim, é sim; se não, é não), para não terem a necessidade de prometer ou declarar em vão. Assim, a repetição do “sim” ou do “não” seria uma forma solene de afirmação ou de negação que deveria bastar, dispensando o recurso a juramento que envolvia a divindade (jurar por Deus).

 

- da vingança  (5.38-42, Lc 6.27-30)

 

Êxodo (21.23-25), Levítico (24.20) e Deuteronômio (19.21) fazem referência à lei de talião, que, de fato, limitava o castigo a uma pena correspondente à ofensa, o que reprimia as vinganças desproporcionais e sangrentas. É o "olho por olho, dente por dente".

 

Ao orientar quanto à reação diante de uma ofensa ou daqueles que causam um mal, visando um resguardo diante de uma discussão ou briga, Jesus simbolicamente traz outros conselhos e recomendações:

·        não resistir ao adversário ou oponente;

·        oferecer-lhe a outra face (a esquerda) quando ele agredir a direita;

·        dar-lhe também a capa quando a túnica for retirada por ele; e

·        andar uma milha a mais quando ele obrigar a isso.

 

De a Bíblia de Jerusalém:

Com esta injunção de Jesus temos uma nova etapa da evolução dos costumes, da qual encontramos eco dos textos rabínicos posteriores. Notemos que todos os exemplos se referem a um mal pelo qual a própria pessoa é lesada. Jesus não proíbe opor-se dignamente aos ataques injustos (cf. Jo 18,22ss), nem, muito menos, combater o mal do mundo. [1] p. 1712

 

- do amor ao próximo (5.43-48; Lc 6.32-36)

 

Em Levítico (19.18), o amor ao próximo devia se estender aos membros do povo de Israel e, conforme Deuteronômio (10.18-19), também aos estrangeiros que moravam entre os israelitas.

 

As boas ações e o amor, já contidos na Lei antiga (Êx 23.4-5; Pv 25.21), tornam-se, portanto, o novo, ilimitado e inesgotável mandamento de Jesus (Jo 13.34), bem como o único caminho para o cumprimento de toda a Lei.

 

Paradoxalmente, "odiar o inimigo" não era ordenado por ela, mas era recomendado em textos como, por exemplo, o Salmo 139 (21-22) e outros. [9] p. 22 do NT

 

De a Bíblia de Jerusalém sobre o ódio aos inimigos:

A segunda parte do mandamento não se encontra tal qual na Lei, nem se poderia encontrar. Essa expressão, exigida por um língua pobre em matizes (o original aramaico) equivale a: "Tu não tens obrigação de amar o teu inimigo". Comparar Lc 14,26 e o nosso paralelo Mt 10,37. Em Eclo 12,4-7 e nos escritos de Qumrã (1QS 1,10 etc.) encontra-se, entretanto, aversão tal aos pecadores que não está longe do ódio, e é nisso que Jesus podia estar pensando." [1]  p. 1712

 

Ao final, Jesus resume os ensinamentos dados (Mt 5.17-48), exortando à perfeição (em Mt) e à misericórdia (em Lc), pois ao se imitar a Deus em sua virtuosidade e benevolência, é possível ao indivíduo demonstrar consideração e amor até mesmo a um inimigo.

 

 

5 - Três "obras de justiça" e a oração "Pai Nosso" (Mt 6.1-18; Lc 11.1-13)

 

Depois de oferecer a sua reinterpretação da Lei de Deus, Jesus passa a desaprovar a ostentação, argumentando que, se o objetivo do comportamento de alguns judeus é atrair o elogio alheio, já estão sendo recompensados pelo seu exibicionismo.

 

As principais boas ações que tornavam um homem justo diante de Deus, no Judaísmo, eram a esmola (Mt 6.2-4), a oração (Mt 6.5-6) e o jejum (Mt 6.16-18). [1] p. 1713

 

Jesus, no entanto, não pretende condenar a observância fiel e honesta delas e o bom exemplo que produzem, mas, tão somente, o vão desejo de se mostrar aos outros. [3]

 

- a prática da Justiça (Mt 6.1; 23.5)

 

A expressão "praticar justiça" diz respeito, entre outras coisas, aos atos de caridade, devoção ou dever religioso. [5] p. 56

 

Para Jesus, tais atitudes devem ser realizadas com discrição, motivadas pelo exclusivo amor a Deus e ao próximo.

 

- como se deve dar esmolas (Mt 6.2-4)

 

Censurando o alarde de uma falsa benevolência, Jesus faz uma analogia com o "toque de trombeta": é hipocrisia a propaganda que se faz da própria generosidade. Dela não se deve contar nem sequer a um amigo íntimo, haja vista que toda caridade deve se realizar em secreto, pois ela será recompensada também em secreto por Deus.

 

No pensamento de Mateus, a referência à piedade afetada e ruidosa aplica-se especialmente à seita dos fariseus (Mt 15.7, 22.18 e 23.13-15). [1] p. 1713

 

- como se deve orar (Mt 6.5-15; Lc 11.1-4)

 

Por meio de seu exemplo (Mt 14.23) e instruções, Jesus ensina o dever da oração e a maneira de fazê-la: a sós (para se evitar a demonstração de um fingida prática), com humildade, mais com o coração do que mecanicamente com os lábios (são as "vãs repetições") e com confiança na bondade de Deus.

 

São poucas as vezes em que o Antigo Testamento (Is 63.16 e 64.8) se refere a Deus como Pai, entretanto, Jesus retoma esse conceito, tornando-o parte essencial de suas prédicas (Lc 11.2). [9] p. 22 do NT

 

Na sequência, apresenta um modelo de oração: o "Pai nosso" ou a "Oração dominical".

 

Esta prece segue modelos de orações do Antigo Testamento e do Judaísmo, pois é formada por uma invocação inicial e sete (07) petições.

 

Mateus tem predileção por este número: duas vezes 7 gerações na genealogia de Jesus (1.17), 7 bem-aventuranças (5.3+), 7 parábolas (13.3+), 7 maldições dos fariseus (23.13+).

 

Talvez tenha sido com o objetivo de conseguir 7 petições que este Evangelho acrescenta, ao texto básico de Lucas (11.2-4), o terceiro (cfe Mt 7.21, 21.31 e 26.42) e o sétimo pedidos (cfe. Mt 13.19). [1]   p. 1713

 

As três (03) primeiras rogativas dizem respeito ao governo de Deus e aos Seus propósitos ("o teu nome", "o teu reino", "a tua vontade"), a fim de que todos reconheçam a Sua superioridade e o Seu poder.

 

As outras quatro (04) relacionam-se às pessoas (nós), com forma e sentido comunitários (o "pão nosso", "perdoa-nos nossas dívidas", "cair em tentação" e "livra-nos do mal") (Lc 11.2-4). 

 

Após ensiná-la, Jesus exorta seus ouvintes a que tenham boas disposições para com as transgressões alheias, pois tal é a disposição de Deus para com todos (Mt 18.35; Mc 11.25).   

 

- como se deve jejuar (Mt 6.16-18)

                       

Também adverte quanto à falsidade na prática do jejum, tanto com relação a um semblante austero e compenetrado, quanto, por exemplo, deixar a barba e o cabelo descuidados ou colorir o rosto com cinzas (para se parecer pálido), a fim de se evidenciar a marca de tal restrição alimentar. Daí a recomendação de Jesus para que a pessoa cubra a cabeça e lave o rosto.

 

A prática do jejum (abster-se de alimentos) por motivos religiosos, já datava dos tempos do Antigo Testamento (2Cr 20.3; Jl 2.12-15). [9] p. 23 do NT

        

 

6 - Três proibições (Mt 6.19-34 a 7.6; Mc 4.21; Lc 6.37-42,  8.16, 11.33-36, 12.22-34)

 

Indiretamente condenando o materialismo, Jesus versa sobre a preocupação para com a obtenção, manutenção e uso dos bens materiais.

 

- os tesouros no céu ou o verdadeiro tesouro (Mt 6.19-23)

 

A recomendação é precaver-se da ganância na conquista das coisas terrenas, porque elas podem ser tomadas, destruídas, além de terem uma duração temporária.

 

Imprescindível, portanto, o cultivo dos bens espirituais, pois são eternos. E para enfatizar esse conceito, Jesus faz uma analogia com os olhos, "a candeia ou a lâmpada do corpo".

 

Se o indivíduo prioritariamente se concentrar nas coisas materiais, possivelmente envolver-se-á apenas com a "escuridão" da realidade deste mundo. Se, no entanto, seu olhar (entendimento) for iluminado, toda a sua realidade exterior (simbologia do corpo) será igualmente luminosa, resplandecente.

 

À luz material, cujo benefício o olho concede ou recusa ao corpo, conforme esteja são ou doente, compara-se à luz espiritual que se irradia da alma. Se ela mesma está obscurecida, a cegueira será bem pior do que a que resulta da cegueira física. [1] p. 1714

 

“Portanto, se a luz [que há] em ti é treva, quão grande a treva?”  [5] p. 57

 

- os dois senhores e a ansiosa solicitude pela vida (Mt 6.24-34 e também 10.31; Lc 12.7 e 12.22-31)

 

Em três versões bíblicas, um dos senhores é “Deus” e o outro é denominado de “riquezas” (Bíblia de Estudo Almeida [9]), de “Dinheiro” (Bíblia de Jerusalém [1]) e “Mâmon” (O Novo Testamento [5]).

 

Mas todos eles representam o poder personificado que domina o mundo.

 

Haroldo Dutra Dias explicando o vocábulo Mâmon:

Palavra de origem aramaica que significa "recursos, posses, riquezas", de qualquer espécie, seja dinheiro, imóvel, escravos ou outros bens. Os lexicógrafos da língua aramaica sustentam que essa palavra, possivelmente, seja derivada da raiz "aman (o que é confiado/ aquilo em que se confia)", para expressar aquilo que é confiado ao homem por Deus. Nos escritos rabínicos significa não somente "dinheiro", mas todos os recursos, todas as posses de um homem, tudo aquilo que ele possui além do seu corpo e da sua vida, ou seja, tudo aquilo que pode ser convertido em dinheiro, que pode ser calculado. Esse vocábulo ocorre apenas em Mt 6:24 e Lc 16:9, 11, 13. [5] p. 58

 

Alertando sobre a impossibilidade da simultânea devoção ao espiritual e ao material, Jesus aponta a ansiosa solicitude pela vida, conclamando seus ouvintes a uma plena e irrestrita confiança na providência de Deus, sobretudo quando se busca o Seu “reino e a sua justiça”. Assim, ele garante que o "serviço a Deus", em primeiro lugar, ajuda cada um no controle do próprio desassossego ou apreensão pelos compromissos vindouros.

 

- o juízo temerário é proibido e não profanar as coisas santas (Mt 7.1-6; Lc 6.37-38 e 41-42; Mc 4.24)

 

Jesus não proíbe o exercício do julgamento em casos necessários (Mt 7.6 e 18.15-17; Jo 7.24), mas a crítica severa ou indevida que não leva em conta as próprias debilidades, pois quem aponta o erro de outrem poderá estar, do mesmo modo, condenando-se. Daí a necessidade de examinar-se em primeiro lugar.

 

Simbólica e igualmente, também não se deve propor uma doutrina preciosa e santa a pessoas incapazes de recebê-la bem e que poderiam fazer mal uso dela (é o dar “pérolas” a porcos).

 

Tanto os “cães” como os “porcos” eram considerados pelos judeus como animais imundos e, portanto, desprezíveis. [9] p. 24 do NT

 

 

7 - Eficácia da oração e a "regra de ouro" (Mt 7.7-12; Lc 11.9-13)     

 

Jesus retoma o tema e enfatiza a relevância da oração.

 

Quanto à necessidade da busca ("Buscai e achareis"), existem também recomendações no Antigo Testamento: Deuteronômio (4.29), 2Crônicas (15.1-15) e Jeremias (29.13).

 

A clássica "regra de ouro" já era conhecida entre os judeus e outros povos da antiguidade, inclusive como resumo da Lei. Era citada de maneira proverbial, sobretudo, na sua forma negativa: "não façais aos outros aquilo que não quereis que façam a vós." Jesus e, depois dele, os escritos cristãos dão a essa máxima uma forma positiva, que é muito mais exigente. [1]  p. 1715

 

 

8 - As duas estradas  (Mt 7.13-14; Lc 13.24; Jo 10.1-2, 7 e 14.6)

 

Jesus adverte quanto ao caminho do bem e o do mal, entre os quais o homem deve escolher.

 

A doutrina dos caminhos é tema antigo e comum no Judaísmo, constando também do Antigo Testamento (Dt 30.15-20; Sl 1; Pv 4.18-19, 12.28 e 15.24; Eclo 15.17 e 33.14; Jr 21.8). [1]  p. 1715

 

 

9 - Os falsos profetas  (Mt 7.15-23 e 12.33-35; Lc 3.9, 6.46 e 13.6-9; Jo 10.8 e 15.6)

 

Jesus explica que a maneira para se identificar os interesseiros que seduzem o povo com uma falsa aparência de piedade e sabedoria, tentando desorientá-lo e desviá-lo do bom caminho, é por seus frutos (Ez 22.28; Jr 23.9-14).

 

É a analogia das “árvores boas” e das “árvores más”.

 

Enfatiza, igualmente, que não é apenas o que uma pessoa diz que faz dela seu discípulo, mas a maneira como se comporta e age:

"Nem todo aquele que me diz "Senhor, Senhor"..."  

 

 

10 - Os dois fundamentos (Mt 7.24-27; Lc 6.46-49)

 

Adotar e seguir a proposta e os ensinamentos de Jesus, trazendo-os para a vivência diária, equipa a pessoa com a prudência e a sensatez, pois alicerça sua maneira de pensar, de sentir e de agir na solidez da "rocha".

 

Esta é a conclusão de todo o Sermão: a firmeza e a fortaleza íntimas que as palavras e os exemplos de Jesus proporcionam.

 

 

11 - O fim do Sermão do Monte e a reação das turbas (Mt 7.28-29)

 

Diferentemente dos escribas, que baseavam os seus ensinamentos na tradição dos anciãos (Mt 15.2), a autoridade moral de Jesus perante os seus ouvintes os deixavam impressionados e "maravilhados".

 

Referências a essa autoridade também se encontram em Mt 28.18, Mc 1.22, Lc 4.3 e Jo 17.2.

 

 

 

                                                                                                     Silvia Helena Visnadi Pessenda      

sivipessenda@uol.com.br

 

 

 

Referências

 

[1] BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2003. (literatura não-espírita)

 

[2] OLIVEIRA, Therezinha. Estudos Espíritas do Evangelho. 5. ed. Campinas, SP: Centro Espírita “Allan Kardec” – Dep. Editorial, 2001.  

 

[3] WIKIPEDIA. Sermão da Montanha. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Serm%C3%A3o_da_Montanha. Último acesso em 20.03.2019. (literatura não-espírita)

 

[4] PASTORINO, Carlos Torres. Sabedoria do Evangelho. Publicação da Revista Semanal. Rio de Janeiro. 1964.  Volume 2. Disponível na Internet em: http://bvespirita.com/Livros-C.html. Acessado em 26.05.2018

 

[5] DIAS, Haroldo Dutra (Trad.). O novo testamento/ tradução de Haroldo Dutra Dias. 1. ed. Brasília: Federação Espírita Brasileira, 2013.

 

[6] WIKIPÉDIA. Disponível na Internet em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Expressão_idiomática. Último acesso em 20.03.2019. (literatura não-espírita)

 

[7] MOURA, Marta Antunes de Oliveira (Org.). Estudo aprofundado da doutrina espírita: cristianismo e espiritismo. Orientações espíritas e sugestões didático-pedagógicas direcionadas ao estudo do aspecto religioso do espiritismo/organizado por Marta Antunes de Oliveira Moura. 1. ed. Brasília: Federação Espírita Brasileira, 2015. Livro II. Módulo II. Roteiro 1.  

 

[8] TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. O famoso Sermão do Monte. Disponível em: https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/jesus/ministerio-na-galileia/sermao-do-monte/. Último acesso em 22.03.2019. (literatura não-espírita)

 

[9] BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo Almeida. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. (literatura não-espírita)

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