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“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!
entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”

(Mateus 7:21)

Julgamento das atitudes alheias

 

 

Por que, em determinadas circunstâncias, agimos como juízes implacáveis da causa alheia, se, muitas vezes, sentimos que as pessoas que nos cercam são incapazes de nos compreender e nos julgar adequadamente? Por que somente nos é possível e válido o autojulgamento? Por que nos custa compreender que, quando criticamos negativamente alguém, nos obrigamos à adoção de um comportamento diferente, justamente para não “errarmos” naquilo que temos por inconveniente no outro?

 

        

Jesus asseverou:

 

Não julgueis, para que não sejais julgados. Pois, com o critério com que julgardes, sereis julgados; e com a medida com que tiverdes medido, vos medirão também

Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio?

Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro de teu olho, quando tens a trave no teu?

Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu irmão.  (Mt 7:1-5) [1]

        

Muito embora o Cristo também tenha ensinado que a verdadeira justiça repousa em Deus, em inúmeras situações nos comportamos como juízes implacáveis da causa alheia. Assim, ao avaliarmos os fatos e, principalmente, as pessoas, podemos rotulá-los como certos ou errados, bons ou maus, simpáticos ou antipáticos, valorizando-os ou desconsiderando-os, em conformidade com os conteúdos moral, emocional e intelectual que, consciente e/ou inconscientemente, carregamos.

        

O Espírito Francisco de Paula Vitor anota:

 

Como tem sido difícil encontrar os indivíduos ocupados com seus compromissos sem se perturbar com os compromissos dos outros!

Comumente, deixa-se de atuar bem numa seara de responsabilidade pessoal para vigiar e interferir na seara de responsabilidade alheia.

(...) Como é fácil observar, grande número de almas vive mais preocupado em notar os outros do que cuidar de si mesmo.

Percebemos, sem embargo, que essa neurose geral de fiscalizar a vida e os compromissos dos outros apenas diz respeito ao que é negativo, ao que se mostra equivocado, ao que é imprestável ao progresso da pessoa.

São poucos os que se aplicam ao bem por terem visto a dedicação ao bem de seus vizinhos.

(...) Por mais que uma pessoa opine sobre a conduta de terceiros, interfira nas ações dos outros ou altere a rota dos semelhantes, com ou sem acerto, não deverá esquecer que a administração que lhe toca mais de perto, diretamente, é sobre a sua própria existência no mundo.  [2]

        

Na vida, só é possível e válido o autojulgamento, porque somente o próprio indivíduo é capaz de avaliar tudo o que se passa em seu íntimo: o que lhe dói, o que lhe faz duvidar e sofrer, bem como o que lhe agrada e preenche o coração.

        

Se muitas vezes sentimos que as pessoas que nos cercam são incapazes de nos compreender e nos julgar adequadamente, como é que poderemos ser juízes imparciais das razões alheias? Assim, ao analisarmos alguém, é imprescindível ponderarmos que o seu comportamento é compatível com tudo aquilo que ele conseguiu aprender como sendo o mais correto e adequado, mesmo que a nós possa parecer completamente errado e inconveniente.

        

E o mais interessante é que, quando criticamos negativamente alguém, estamos nos obrigando a nos comportar de maneira diferente, a fim de não “errarmos” naquilo que temos por inconveniente no outro. Com isso, nos determinamos a viver em nível mais alto e a fazer coisa melhor.

        

Porém, se procurarmos agir de maneira mais empática e compreensiva, muitas ideias preconceituosas se afastarão de nossa mente. Ao deixarmos de sentir certo prazer em ficar avaliando o comportamento alheio, e, igualmente, comentando-o com as outras pessoas, não mais nos atormentaremos com suas imperfeições de caráter, aceitando o fato de que cada criatura oferece, tão somente, aquilo que tem, e realiza aquilo que sabe, como consequência do grau de maturidade e evolução que já conseguiu alcançar.

        

Contudo, a constatação dessa realidade não tem a finalidade de nos tornar superiores aos demais. Nós também, em virtude das limitações e dificuldades que ainda carregamos, apenas expressamos e proporcionamos aos demais tudo aquilo que o nosso grau evolutivo nos permite. Por conta disso, será que não estamos também deixando a desejar em muitas de nossas atitudes, decepcionando ou entristecendo aqueles que conosco convivem? Reflitamos sobre isso!

        

Existe um pensamento atribuído a Madre Tereza de Calcutá que reza: “Se você julga as pessoas, não tem tempo de amá-las”.

 

 

 

A  INDULGÂNCIA

 

16. Espíritas, queremos vos falar hoje da indulgência, esse sentimento tão doce, tão fraternal, que todo homem deve ter para com os seus irmãos, mas do qual bem poucos fazem uso.

           

A indulgência não vê os defeitos de outrem, ou, se os vê, evita falar deles, divulgá-los; ao contrário, oculta-os, a fim de que não sejam conhecidos senão dela, e se a malevolência os descobre, tem sempre uma desculpa para os abrandar, quer dizer, uma escusa plausível, séria, e não daquelas que, tendo o ar de atenuar a falta, a fazem ressaltar com um jeito pérfido.

           

A indulgência não se ocupa jamais com os maus atos de outrem, a menos que isso seja para servir, e tem ainda o cuidado de os atenuar tanto quanto possível. Não faz observações chocantes, não tem censura nos lábios, mas somente conselhos, o mais frequentemente velados. Quando criticais, que consequências se deve tirar de vossas palavras? É que vós, que censurais, não teríeis feito o que reprovais e valeis mais do que o culpado. Ó homens! Quando, pois, julgareis os vossos próprios corações, os vossos próprios pensamentos, os vossos próprios atos, sem vos ocupardes com o que fazem vossos irmãos? Quando não abrireis os vossos olhos severos senão sobre vós mesmos?

           

Sede, pois, severos para convosco, indulgentes para com os outros. Pensai naquele que julga em última instância, que vê os pensamentos íntimos de cada coração, e que, por conseguinte, desculpa as faltas que censurais, ou condena o que desculpais, porque conhece o móvel de todos os atos, e que vós, que proclamais tão alto: anátema! tenhais talvez cometido faltas mais graves.

           

Sede indulgentes, meus amigos, porque a indulgência atrai, acalma, reergue, ao passo que o rigor desencoraja, afasta e irrita. (JOSÉ, Espírito protetor, Bordéus, 1863).

 

           

17. Sede indulgentes para com as faltas de outrem, quaisquer que elas sejam; não julgueis com severidade senão as vossas próprias ações, e o Senhor usará de indulgência para convosco, como dela usaste para com os outros.

           

Sustentai os fortes: encorajai-os à perseverança; fortificai os fracos em lhes mostrando a bondade de Deus, que considera o menor arrependimento; mostrai a todos o anjo da arrependimento estendendo sua branca asa sobre as faltas dos homens, e velando-as assim aos olhos daquele que não pode ver o que é impuro. Compreendei todos a misericórdia infinita de vosso Pai, e não olvideis jamais de lhe dizer, pelos pensamentos e, sobretudo, pelos vossos atos: “Perdoai as nossas ofensas, como perdoamos àqueles que nos ofenderam”. Compreendei bem o valor dessas sublimes palavras; não só sua letra é admirável, mas também o compromisso que ela encerra.

           

(...) Quando perdoardes aos vossos irmãos, não vos contenteis em estender o véu do esquecimento sobre as suas faltas; esse véu, frequentemente, é bem transparente aos vossos olhos; levai-lhes o amor ao mesmo tempo que o perdão; fazei por eles o que pediríeis ao vosso Pai celeste fazer por vós. Substitui a cólera que conspurca, pelo amor que purifica. Pregai pelo exemplo essa caridade ativa, infatigável, que Jesus vos ensinou; pregai como ele o fez, enquanto viveu sobre a Terra, visível aos olhos do corpo, e como ainda, sem cessar, desde que não é mais visível senão aos olhos do espírito. Segui esse modelo divino; marchai sobre seus passos: eles vos conduzirão ao lugar de refúgio onde encontrareis o repouso depois da luta. Como ele, carregai todos a vossa cruz e escalai penosamente, mas corajosamente, o vosso calvário: no cume está a glorificação. (JOÃO, bispo de Bordéus. 1862). [3]

 

 

 

 

Silvia Helena Visnadi Pessenda

sivipessenda@uol.com.br

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

[1] BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo Almeida. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

 

[2] VITOR, Francisco de Paula (espírito); TEIXEIRA, José Raul (psicografado por). Quem é o Cristo? Niterói: Fráter, 1998. Cap. 12.

 

[3] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 195. ed. Araras, SP: IDE, 1996. Cap. X. Item 16 e 17.

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