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“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!
entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”

(Mateus 7:21)

Reunião mediúnica

 

 

Qual a finalidade da reunião mediúnica na Casa Espírita? Consiste ela no exorcismo de espíritos perturbados e/ou perturbadores? Quem são esses espíritos? Por que a necessidade de diálogo direto com os encarnados, por meio da psicofonia? Quais as qualidades que o dirigente e/ou dialogador necessitam possuir? Qual deverá ser o clima do diálogo a ser empreendido com o espírito comunicante?

 

 

No período histórico que antecede à codificação espírita, o afastamento de espíritos que perturbavam pessoas e/ou locais era realizado através do exorcismo – prática adotada, até hoje, pela Igreja Católica – ou por rituais cabalísticos, de outras seitas e correntes religiosas.

 

Mesmo nos diversos ramos da atual igreja evangélica, tais entidades são tratadas como se fossem demônios, nas chamadas sessões de “descarrego”, com a adoção de procedimentos pouco caridosos e, tantas vezes, ineficazes.

 

Foi o Espiritismo que inaugurou a forma cristã de lidar com essa negativa influência espiritual sobre o mundo material.

 

(Obs.: no final deste artigo, há uma transcrição de alguns trechos de reportagem veiculada pela Revista VEJA, em 06.04.2005, sobre o assunto).

 

 

Quem são esses espíritos perturbadores?

        

Todas aquelas pessoas que, mesmo com a morte do corpo físico, não conseguiram se libertar de seus interesses terrenos. Alheias à realidade da vida espiritual, permanecem ligadas a indivíduos, aos objetos de suas predileções, participando, às vezes inconscientemente, porém, ativamente, das situações que imaginam ainda lhes dizer respeito. São eles:

 

– os familiares que ficam ao lado de suas afeições, prejudicando-as com sua influência, quando julgam beneficiá-las;

 

– os espíritos viciados que permanecem nos mesmos antros que frequentavam, quando encarnados, porém “vampirizando” os antigos companheiros de bebida, de cigarro, de drogas...;

 

– as criaturas avaras que não se prepararam, convenientemente, para o desprendimento de seus bens materiais, quando de seu trespasse, transfigurando-se em ferrenhos obsessores, quando veem sua fortuna passando a outras mãos;

 

– as que pereceram em acidentes provocados pela própria imprudência, e que teimam em não se afastar do local em que jaz enterrado seu corpo;

 

– as que amam, possessivamente, uma determinada pessoa, e que não desejam vê-la em braços que não sejam os seus;

 

– os espíritos que não querem evoluir, e que são escravizados por mentes mais poderosas que a sua, por dezenas ou centenas de anos;

 

– as que não aceitam a morte do corpo físico, vagueando em torno do próprio túmulo, a chorar a oportunidade perdida;

 

– as que promovem verdadeiras “arruaças” em lares desequilibrados, provocando perturbações emocionais e espirituais em seus membros, ou mesmo ruídos e/ou fenômenos inusitados;

 

– as que ainda se ressentem dos males orgânicos que as levaram à morte física, ou de problemas que as fazem sofrer;

 

– aquelas que agiram mal, enfrentando as consequências de seus erros.

        

Enfim, são os espíritos que ainda não se conscientizaram da nova condição em que se encontram, preferindo permanecerem presos aos seus medos, imperfeições e crenças. Com isso, deixam de perceber as oportunidades novas que lhe são apresentadas, por estarem extremamente envolvidos com o próprio atordoamento emocional, moral e espiritual. Em síntese, são os acidentados, os assassinados, os suicidas, os alcoólatras, os toxicômanos, os homicidas, os avarentos, os egoístas, os preguiçosos, os déspotas, os materialistas, os dementados, os amedrontados, os perseguidos etc.

        

Na casa espírita, a reunião mediúnica tem a finalidade de amparar esses seres infelizes, socorrendo-os através das vibrações, das preces ou dos diálogos esclarecedores.

        

Através da psicofonia, é possível aos espíritos conversarem com os participantes desse tipo de reunião, expressando seus ensinamentos, quando já se encontram numa melhor condição espiritual, ou fazendo conhecer seus dilemas e dificuldades, quando são sofredores, infelizes ou perturbados. É justamente nesta segunda modalidade de comunicação, que podemos praticar a caridade aliada à mediunidade, possibilitando novas e profundas reflexões a esses espíritos. 

        

Tal diálogo, no meio espírita, recebe o nome de doutrinação. Mas, na realidade, este é um termo indevido, em virtude de o dialogador, também chamado de doutrinador, não se limitar a somente passar os conceitos da Doutrina Espírita, e, também, esclarecer e/ou consolar a entidade, utilizando-se de conceitos e princípios mais adequados ao entendimento do comunicante. Esses princípios poderão ser, por exemplo, apenas os do Evangelho de Jesus.

 

 

Por que a necessidade de diálogo direto com os encarnados, por meio da psicofonia?

        

Na obra Missionários da luz, o Espírito André Luiz pergunta ao instrutor Alexandre:

 

 

– Por que a doutrinação em ambiente dos encarnados? Semelhante medida é uma imposição no trabalho desse teor?

– Não – explicou o instrutor – não é um recurso imprescindível. Temos variados agrupamentos de servidores do nosso plano, dedicados exclusivamente a esse gênero de auxílio. As atividades de regeneração em nossa colônia estão repletos de institutos consagrados à caridade fraternal, no setor de iluminação dos transviados. Os postos de socorro e as organizações de emergência, nos diversos departamentos de nossa esfera de ação, contam com avançados núcleos de serviço da mesma ordem. Em determinados casos, porém, a cooperação do magnetismo humano pode influir mais intensamente, em benefício dos necessitados que se encontram cativos nas zonas de sensação, na Crosta do Mundo. Mesmo aí, contudo, a colaboração dos amigos terrenos, embora seja apreciável, não constitui fator absoluto e imprescindível; mas, quando é possível e útil, valemo-nos do concurso de médiuns e doutrinadores humanos, não só para facilitar a solução desejada, senão também para proporcionar ensinamentos vivos aos companheiros envolvidos na carne, despertando-lhe o coração para a espiritualidade.

O mentor fixou um sorriso e prosseguiu:

– Ajudando as entidades em desequilíbrio, ajudarão a si mesmos; doutrinando, acabarão igualmente doutrinados.  [1]

 

Oportuníssimas essas últimas palavras de Alexandre. É através do diálogo com as entidades perturbadas, que os encarnados podem conhecer e aprender sobre outras realidades, bem como exercitar a caridade em seu sentido mais amplo: ajudar, mas sem saber a quem.

 

 

Qual o objetivo maior da reunião mediúnica?

 

Conforme considerações do médium espírita Divaldo Pereira Franco:

 

É acima de tudo uma oportunidade de o indivíduo (encarnado) autorreformar-se; de fazer silêncio para escutar as lições dos espíritos que nos vêm, depois da morte, chorando e sofrendo, sendo este um meio que evitar que caiamos em seus erros. É também esquecer a ilusão de que nós estejamos ajudando os espíritos, uma vez que eles podem passar sem nós. No mundo dos espíritos, as entidades superiores promovem trabalhos de esclarecimento e de socorro em seu favor; nós, entretanto, necessitamos deles, mesmo dos sofredores, porque são a lição de advertência em nosso caminho, convidando-nos ao equilíbrio e à serenidade. Assim, vemos que a ajuda é recíproca.

O médium é alguém que se situa entre os dois hemisférios da vida. O membro de um labor medianímico é alguém que deve estar sempre às ordens dos Espíritos Superiores para os misteres elevados. [2]

 

Assim, podemos concluir que as reuniões mediúnicas não têm a finalidade pura e simples de ouvir os espíritos, ou até mesmo de expulsá-los, como pensam as pessoas pouco informadas sobre o verdadeiro propósito delas. Bem mais amplos são os seus objetivos: maior agilização na conscientização dos espíritos necessitados e dos indivíduos encarnados!

 

 

Quais as qualidades que o dirigente e/ou dialogador necessitam possuir?

 

 

Conhecimento doutrinário

                  

O aprendizado dos postulados espíritas permitirá a ele(s):

        

·                   um mais amplo entendimento dos fenômenos característicos deste tipo de reunião;

 

·                   a adoção da melhor atitude perante cada comunicante;

·                   uma análise mais consistente da condição mental/emocional/espiritual do espírito e do próprio desempenho dos médiuns.

        

As mistificações e o animismo, somente à custa de muito estudo e amadurecimento, poderão ser satisfatoriamente identificados.

                  

 

Qualidades morais

                  

Para o bom desenrolar da reunião, eles precisam se entregar à disciplina do caráter, a uma vida enobrecida e à renúncia aos vícios de todos os tipos, porque os espíritos somente respeitam a autoridade moral. 

                  

Allan Kardec, em O Livro dos Médiuns, apresenta a seguinte questão para os Espíritos Superiores:

“Como um homem (encarnado) pode ter quanto a esse assunto (ajuda aos espíritos sofredores) mais influência do que têm os próprios Espíritos?”

                 

Resposta:

Os Espíritos perversos se aproximam antes dos homens que procuram atormentar do que dos Espíritos dos quais se afastam o mais possível. Nessa aproximação com os humanos, quando encontram os que os moralizam, no início não os escutam e se riem; depois, se aquele sabe prendê-los, acabam por se deixar tocar. Os Espíritos elevados não podem lhe falar senão em nome de Deus, e isso os assusta. O homem, certamente, não tem mais poder do que os Espíritos superiores, mas sua linguagem se identifica melhor com a sua natureza, e, vendo o ascendente que pode exercer sobre os Espíritos inferiores, compreende melhor a solidariedade que existe entre o céu e a terra.

De resto, o ascendente que o homem pode exercer sobre os Espíritos está em razão da sua superioridade moral. Não domina os Espíritos superiores, nem mesmo aqueles que, sem serem superiores, são bons e benevolentes, mas pode dominar os Espíritos que lhe são inferiores em moralidade.”  [3]

 

                  

Facilidade e clareza na expressão das idéias

                  

Atributo imprescindível para a sustentação de um diálogo mais eficiente com o espírito comunicante, bem como a adoção de orientações mais adequadas ao grupo, quando se fizerem necessárias.

                  

 

Trato fraterno

                 

Para se deixarem conduzir pela firmeza e/ou tolerância, conforme for o caso.

        

 

Qual deverá ser o clima desse diálogo consolador/esclarecedor?

        

O Espírito André Luiz nos proporciona as seguintes exortações:

 

Falar aos comunicantes perturbados e infelizes com dignidade e carinho, entre a energia e a doçura, detendo-se exclusivamente no caso em pauta.

Sabedoria do falar, ciência no ensinar.

(...) Em oportunidade alguma, polemizar, condenar ou ironizar, no contato com os irmãos infelizes da Espiritualidade.

A azedia não cura o desespero.

(...) Oferecer a intimidade fraterna aos comunicantes, aplicando o carinho da palavra e o fervor da prece, na execução da enfermagem moral que lhes é necessária.

A familiaridade estende os valores da confiança.

Suprimir indagações no trato com as entidades infortunadas, nem sempre em dia com própria memória, como acontece a qualquer doente grave encarnado.

A enfermagem imediata dispensa interrogatório. [4]

 

Das considerações acima, podemos afirmar que a “doutrinação” dos espíritos não se trata nem de exorcismo, nem de violência verbal e nem de ameaças para que eles se afastem. Consiste ela, unicamente, no ato de transmitir conhecimentos, esclarecimentos e sentimentos superiores a esses seres tão carentes de equilíbrio e paz.

 

Ao se comunicarem com violência, não convém ao grupo se impressionar com seus rancores, possível gritaria e agressividade. Na verdade, são absolutamente infelizes, a despeito que tudo quanto digam ou façam. O ódio que alimentam, na grande maioria das vezes, trata-se de uma desesperada defesa contra a benéfica infiltração dos bons sentimentos. Muitos deles temem muito mais o amor do que o ódio. Entretanto, paradoxalmente, todos eles trazem o amor em seu coração, muito embora, sepultado em profundas camadas de desesperança e desengano.

        

Assim, é imprescindível ao dialogador se conscientizar de que está ele tendo a oportunidade de se comunicar com um ser humano, cuja única diferença é a de este não mais possuir um corpo físico. Refletindo sobre tal realidade, ele terá em perspectiva que o desencarnado poderá expressar sua simpatia ou antipatia, amor ou ódio, estar alegre ou triste, eufórico ou depressivo. Que ele pode ainda ser zombeteiro e leviano, mas será sempre alguém colhido em sua própria aflição, vítima de si mesmo, da própria imprudência e invigilância, tentando transferir a responsabilidade de seu insucesso a pessoas ou circunstâncias, por ser mais cômodo imputar culpas a tudo o que lhe é externo.   

        

Todavia, todos esses espíritos são necessitados de compaixão e misericórdia, de intercessões através da prece e pensamentos salutares, por se tratarem de seres sequiosos de proteção e socorro, carentes de amor, ainda que não reconheçam em si mesmos tais necessidades.

        

Deve, então, o dialogador examinar-lhes as dificuldades a partir do ponto de vista deles, a fim de que melhor se apiede de seus sofrimentos. A partir dessa empatia, conseguirá, então, maiores sucessos na minimização dos conflitos que tanto os impedem de encontrar o caminho da luz e do equilíbrio.       

        

Sendo assim, a “doutrinação”, a partir dessas reflexões, se desenvolverá como um diálogo entre dois seres humanos, no qual o dialogador, através da nobreza de seus ideais, evitará as chantagens, a irritação e o desdém. Ele deixará a entidade falar, dizer a que veio, o que deseja, e, a partir daí, fazer as perguntas necessárias, de modo a chamar o desencarnado à reflexão e à compreensão de sua situação.

        

O resultado positivo de tal tarefa nem sempre será imediato, a exemplo do que acontece até mesmo entre pessoas encarnadas que, por múltiplas razões, levam muito tempo para reformarem seus hábitos, pontos de vista e comportamentos.

        

Como bem afirma o escritor espírita Luiz Gonzaga Pinheiro, “a doutrinação é a arte do convencimento”. [5]

 

 

Existe um modelo para tal diálogo?

        

Não, pois o grau de evolução do espírito comunicante e as situações no intercâmbio variam em cada caso.

        

Quando ocorre com os espíritos esclarecidos e benévolos, o diálogo é natural, fraterno, seguro, gratificante e proveitoso. Quanto aos necessitados de assistência, uns entendem rápido o que diz o “doutrinador”, outros têm dificuldade para compreendê-lo. Uns precisam mais de palavras carinhosas, ou de vibrações boas do ambiente; outros, serem tratados com enérgica firmeza. Mas, em todas as situações, o diálogo requer a confiança e a serenidade.

        

O Espírito Miramez nos brinda com os seguintes esclarecimentos:

 

A educação deve ser sempre lembrada. Se porventura tens oportunidade de falar com o espírito desencarnado, procura lembrar-se dos bons modos. Eles te levam à amizade com quem desconheces. Se for uma entidade iluminada que vem trazer uma mensagem de paz e amor, fala pouco para ouvir mais, porque ela conhece as necessidades humanas mais do que quem está passando pelos problemas. Se o comunicante traz a marca da dor e da revolta, lembra-te de que deves escutar a quem sofre com carinho, de maneira tal que aquele que fala se sinta à vontade e possa ouvir o que tem a dizer, não somente para consolo, mas também como orientação para o bem de quem padece.

A educação de quem ouve abre o direito de falar e de ser ouvido. Não maltrates o sofredor, nem julgues mal os seus feitos. O desabafo muitas vezes ajuda a limpar a consciência. Procura secundar o companheiro com a tua experiência no ambiente do Bem, na reforma dos pensamentos e na garantia dos sentimentos elevados, porque o intercâmbio só tem valor onde existe elevação de qualidades espirituais.

Ao conversares com o desencarnado na forma de incorporação, muitos outros estão ouvindo o diálogo, recolhendo também as orientações que lhes servirem, e ainda mais, processa-se uma troca de energias no momento das conversações, energias essas que têm a marca dos sentimentos, na evidência das conquistas.

Pede a Jesus, na hora do intercâmbio com as entidades desencarnadas, para inspirar-te, sem esqueceres dos benfeitores que te assistem. O resto é a própria natureza que te atende de acordo com tua disposição interna. Confia em Deus que o nosso irmão, que te ouve, sairá confortado e renovado nas suas qualidades, ficando, com isso, mais fácil o nosso trabalho com ele.

A eficácia do encontro depende muito do estado de espírito em que te encontras. Não deves conversar com pressa de terminar, porque a pressa prejudica o ambiente, carregando ou distorcendo os fluidos que a fraternidade enriquece com o amor. Não fales contrariado, nem pensando em atender as outras necessidades. Entrega-te à tua obrigação do momento e faze tudo com bondade e discernimento, que o teu trabalho pode levantar quem está caído.

(...) Deves falar com o espírito tomado pelas faculdades de um médium, com a decência que nunca esquece a esperança aos sofredores, a atitude certa para com os teimosos e a entrega total aos benfeitores espirituais, para que o teu aprendizado seja igual aos dos discípulos do Divino Mestre.  [6]

 

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Para melhor traçarmos um paralelo entre o que ensina o Espiritismo sobre a doutrinação de Espíritos, principalmente quando se trata de um obsessor, comumente denominado por outras religiões de demônio, satanás, tinhoso, capeta, e o artigo da Revista VEJA (logo abaixo), primeiramente, apresentaremos mais duas considerações.

 

Kardec em A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo, ao esclarecer sobre as obsessões e possessões, afirma:

 

Para assegurar a libertação, é necessário levar o espírito perverso a renunciar aos seus maus desejos; é preciso fazer nascer nele o arrependimento e o desejo do bem, com a ajuda de instruções habilmente dirigidas, nas evocações particulares feitas com vista à sua educação moral; então pode-se ter a doce satisfação de livrar um encarnado e converter um Espírito imperfeito. [7]

 

O escritor espírita Hermínio Correa de Miranda, ao se referir a essas palavras de Kardec, assim explica:

 

Ninguém poderia descrever melhor, em tão poucas palavras, o programa – síntese do processo de desobsessão: o espírito não deve ser arrancado à força ou expulso. Ele precisa ser convencido a abandonar seus propósitos e levado ao arrependimento. Isto se faz buscando com ele um entendimento, um diálogo, pelo qual procuramos educá-lo moralmente, mas sem a arrogância de um mestre petulante, e sim com o coração aberto do companheiro que procura compreender as suas razões, o núcleo de sua problemática, o porquê da sua revolta, do seu ódio. Por mais agressivo e violento que seja, é invariavelmente um espírito que sofre, ainda que não o reconheça. A argumentação que utilizarmos tem que ser convincente. [8]  

 

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Artigo veiculado pela Revista VEJA, em 06.04.2005, na seção “Religião”. [9]

 

http://veja.abril.com.br/060405/p_122.html

 

 

 

NOVAS ARMAS CONTRA SATÃ

 

A Igreja Católica lança no Brasil livro com modificação no ritual de exorcismo

 

Em 1973, o filme Exorcista causou impacto ao narrar o embate entre o sacerdote católico e o demônio encarnado numa garotinha. Se a fita fosse refeita hoje, o ritual executado teria mudanças significativas. A mais importante delas é que o sacerdote poria ênfase nos rogos para que o Espírito Santo descesse sobre o corpo e a mente da vítima. O novo rito prevê a esconjuração do demônio (veja quadro), mas como um recurso secundário, ao contrário do que acontecia na fórmula anterior, datada do século XVII. Essa nova receita é prescrita pelo livro Ritual de Exorcismos e Outras Súplicas (Paulus; 96 páginas, 28 reais). Lançada na Itália em 1998 e agora no Brasil, depois de um processo de tradução que se estendeu por 7 anos, a obra estabelece como os sacerdotes católicos devem proceder em casos de possessão demoníaca. Resultado da renovação dos rituais católicos iniciada nos anos 60 com o Concílio Vaticano II, o manual não propõe somente a mudança de uma liturgia que, a própria Igreja afirma, quase nunca é realizada. Ele reflete uma nova maneira de falar sobre o Mal aos fiéis, numa resposta católica a religiões rivais.

           

Marcas da nova filosofia da Igreja a respeito do exorcismo são a cautela e o ceticismo em relação aos episódios de possessão. Para as autoridades católicas, a maioria dos casos é totalmente infundada. (...) Segundo o novo manual católico, os principais indicativos de que uma pessoa foi possuída pelo tinhoso seriam falar línguas com as quais ela nunca teve contato, manifestar conhecimento sobre lugares e saberes estranhos e apresentar uma força descomunal para seu porte. Ainda assim, o exorcismo será considerado como hipótese depois que a pessoa passar pelo exame de psicólogos e outros especialistas. É como se a Igreja propusesse uma santa aliança com as ciências médicas.

           

A desconfiança em relação aos casos de possessão não significa que a Igreja tenha relegado a um papel secundário o combate ao demônio e o ritual de exorcismo. (...) Em sua nova doutrina sobre o assunto, a Igreja afirma que o demônio não é somente uma abstração filosófica, mas uma entidade que existe de fato e está em constante luta contra os desígnios divinos, ainda que só se manifeste como possessão em casos raríssimos.

           

(...) Denunciar a ação do diabo é também uma parte importante dos cultos evangélicos, nas quais o exorcismo é praticado de maneira ostensiva na base do “Xô, Capeta!” – ou seja, com os xingamentos contra o diabo e a linguagem colorida de que o catolicismo também permitia usar, e que foi banida pelo novo rito.

           

(...) A Igreja Católica considera o exorcismo uma espécie de ciência. O padre que o realiza precisa ter atributos especiais. Somente um sacerdote que se destaque pela “piedade, ciência, prudência e integridade de vida” pode realizá-lo – e com autorização expressa do bispo a quem responde.

 

Vade retro

 

Eu te esconjuro,

todo e qualquer espírito imundo,

todo e qualquer poder das trevas,

todo ataque do poder infernal,

toda legião, corja e facção diabólica.

Em nome e pela força de nosso

Senhor, Jesus Cristo, arranca-te e foge

da Igreja de Deus, das almas criadas

à imagem do Criador, remidas pelo

precioso sangue do Cordeiro divino.

Hábil serpente, nunca mais ouses

enganar o gênero humano, perseguir

a igreja de Deus e abalar e joeirar

como o trigo os eleitos de Deus.

 

Trecho do Ritual de Exorcismos e Outras Súplicas

 

 

 

Silvia Helena Visnadi Pessenda

sivipessenda@uol.com.br

 

 

REFERÊNCIAS

[1] ANDRÉ LUIZ (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Missionários da luz. 31. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1999. Cap. 17. p. 259.

 

[2] FRANCO, Divaldo Pereira; TEIXEIRA, José Raul. Diretrizes de segurança. 5. ed. Niterói, RJ: Fráter, 1995. q. 31.

 

[3] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 36. ed. Araras, SP: IDE, 1995. Cap. XXIII. Item 254.

 

[4] ANDRÉ LUIZ (espírito); VIEIRA, Waldo (psicografado por). Conduta espírita. 21. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1998. Cap. 24.

 

[5] PINHEIRO, Luiz Gonzaga. Doutrinação: a arte do convencimento. 1. ed. Capivari,SP: Editora EME, 2003. Introdução.

 

 [6] MIRAMEZ (espírito); MAIA, João Nunes (psicografado por). Segurança mediúnica. 9. Ed. Belo Horizonte, MG: Editora Espírita Cristã Fonte Viva, 1994. Cap. “Conversar com o desencarnado”. p. 122-124.

 

[7] KARDEC, Allan. A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 8. ed. Araras, SP: IDE, 1995. Cap. XIV. Item 46.

 

[8] MIRANDA, Hermínio Correa. Diálogo com as sombras: teoria e prática da doutrinação. 16. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2002.  Cap. “Os desencarnados”. Tópico “O obsessor”. p. 106-107.

 

[9] VEJA. São Paulo: Editora Abril, abr. 2005.

 

 

OLIVEIRA, Therezinha. Reuniões mediúnicas. 8. ed. Campinas: Centro Espírita “Allan Kardec” – Dep. Editorial. 2001.

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