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“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!
entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”

(Mateus 7:21)

Concentração

 

Por que a concentração é tão fundamental numa reunião mediúnica séria e de objetivos superiores? Ela cansa? Existem técnicas para se obter uma boa concentração? Por que alguns ainda apresentam tantas dificuldades para sustentar sua atenção nos objetivos do trabalho, dispersando-a com certa frequência?

 

 

Uma das grandes dificuldades daqueles que mantêm um maior contato com o mundo espiritual, nas Casas Espíritas, é a concentração. A capacidade de controlar, direcionar e sustentar o pensamento dentro dos objetivos do trabalho é, para alguns, um esforço muito grande e que nem sempre dá bons resultados. E por quê? Uma das razões deve-se ao fato de os pensamentos se dispersam para os problemas e situações do cotidiano.

 

No entanto, qualquer atividade mediúnica depende muitíssimo do ambiente mental formado por cada um dos componentes do grupo. Allan Kardec, em O Livro dos Médiuns, anota:

 

Uma reunião é um ser coletivo, cujas qualidades e propriedades são as resultantes de todas as dos seus membros, e formam como um feixe; ora, esse feixe terá tanto mais força quanto mais for homogêneo (é aquele ditado: “A união faz a força”). (...) vinte pessoas, unindo-se em uma mesma intenção, terão necessariamente mais força do que uma sozinha; mas, para que todos esses pensamentos concorram para o mesmo objetivo, é preciso que vibrem em uníssono; que se confundam, por assim dizer, num só, o que não pode ocorrer sem o recolhimento (ou seja, sem a concentração).

(...) Toda reunião espírita deve, pois, tender à maior homogeneidade possível; fique bem entendido que falamos daquelas que querem alcançar resultados sérios e verdadeiramente úteis; se se quer simplesmente obter comunicações mesmo assim, sem se inquietar com a qualidade daqueles que as dão, é evidente que todas essas preocupações não são necessárias, mas então não se pode queixar da qualidade do produto.

O recolhimento e a comunhão de pensamentos (são) as condições essenciais de toda reunião séria.  [1]

 

Sendo assim, conforme o estado íntimo dos participantes, uma reunião mediúnica pode favorecer ou embaraçar a ação dos espíritos. E é exatamente essa união entre todos, propiciada pela concentração, que torna o trabalho viável, porque sentimentos e pensamentos elevados saturam o ambiente de vibrações positivas, e estas são fundamentais para um intercâmbio sério e de finalidade superior.

 

Mas, o que é concentrar? Segundo definição, é “reunir(se) em um mesmo centro ou ponto. Fazer convergir. Aplicar a atenção a algum assunto; meditar profundamente. Não dar expansão a. Ficar em silêncio.” [2]

 

Então, a concentração é um estado mental que permite ao indivíduo direcionar sua atenção para um determinado fim – ou objeto, pessoa, ideia, sentimento, interesse... –, sustentando-a nesse ponto, inabalavelmente, pelo tempo que decidir. E para que ela se torne plena, sua mente necessita se desligar dos estímulos externos – enfim, do ambiente físico ao seu redor –, bem como da sua realidade interna.     

 

Dentre os fatores externos que podem, portanto, desviar sua atenção, temos, por exemplo:

·                   ruídos e sons em tom elevado ou que provoquem qualquer tipo de perturbação;

·                   toques físicos;

·                   iluminação forte ou muito fraca; e

·                   envolvimento espiritual negativo.

        

Quanto aos fatores inerentes à própria pessoa, podem ser:

·                   tensões e dores físicas;

·                   cansaço gerando a necessidade de repouso;

·                   falta de conhecimentos de como se concentrar;

·                   indisciplina interior fazendo com que o indivíduo se ocupe de vários interesses ao mesmo tempo;

·                   perturbações afetivo-emocionais em virtude de problemas pessoais;

·                   sentimento de tédio durante a prática da concentração, o que propicia o desinteresse no praticante.

 

Em se baseando nos exemplos citados, podemos afirmar que a disciplina mental é a chave de uma boa concentração. Entretanto, se nesse momento de recolhimento e silêncio, ocorrerem pensamentos intrusos, como a pessoa deve proceder? Ela não deve lutar contra a própria mente com sentimentos de culpa ou de punição. O mais adequado é aceitar tranquilamente o fato e estabelecer o “hábito do retorno”, ou seja, voltar a ocupar-se com os objetivos da concentração.

 

****

 

Será que a concentração cansa? Não! Se conduzida de maneira correta, ela propicia um efetivo bem-estar. Pessoas que tentam se concentrar, por exemplo, franzindo a testa e fechando os olhos com força, dificilmente conseguirão direcionar, com sucesso, sua atenção para os fins propostos. 

 

Portanto, torna-se fundamental o conhecimento das etapas que envolvem uma boa concentração. De maneira geral, ela é alcançada através de três estágios básicos:

 

O primeiro é o do relaxamento.

 

Relaxar, segundo o léxico, diz respeito a “afrouxar ou diminuir a força ou tensão de músculos, nervos, etc.” [2] 

 

O relaxamento trata-se, portanto, de um afrouxamento das tensões físicas, mentais e emocionais de um indivíduo, favorecendo-lhe o equilíbrio e a quietude interior. E para se obter esse estado de tranquilidade integral, tais são algumas das técnicas a serem empregadas para o abrandamento:

 

·                   do corpo físico

Tomar na cadeira uma posição cômoda e solta, e concentrar-se nas partes do corpo, autossugerindo-se a descontração sequenciada de cada uma delas. Convém começar numa extremidade, por exemplo, a cabeça e ir com essa intenção até os pés. Ao final, perceber o organismo totalmente relaxado.

 

·                   das emoções

Nessa fase, busca-se o controle e o equilíbrio das emoções. Uma técnica a ser utilizada é a prática da respiração profunda, lenta e compassada. A pessoa se concentra no processo de entrada e saída do ar, imaginando que quando inspira, o ar está lhe trazendo novas forças para a recuperação de sua harmonia íntima, e, quando expira, esse mesmo ar está eliminando suas perturbações psíquicas.

 

·                   da mente

O que se pretende aqui é o afastamento dos habituais pensamentos e preocupações do indivíduo, com o consequente desligamento de seus conteúdos psicológicos. Como técnica a ser desenvolvida, o relaxamento fixa a sua atenção numa imagem, numa ideia, num sentimento ou na própria respiração, buscando a calma e a mansuetude mental.

 

Quando ele alcança esses três níveis – o corporal, o emocional e o mental –, a pessoa encontra-se apta para adentrar no segundo estágio da concentração, que é a abstração, ou seja, o alheamento do espírito. E um dos significados da palavra alhear-se é “afastar-se, apartar-se”. [2] 

 

Nessa situação, então, de afrouxamento físico, emocional e intelectual, a pessoa se afasta e se desliga dos estímulos externos e internos, voltando sua atenção para interesses mais subjetivos. Mas o interessante é que alhear-se também significa: “enlevar-se, extasiar-se”! [2]

 

É nesse ponto que o terceiro estágio da concentração, a elevação – ou o engrandecimento espiritual –, se torna passível de bom êxito.

 

Em mediunidade, para que a ascensão íntima ocorra, a sintonia, nos níveis mental e espiritual, exerce um papel preponderante. E se mediunidade é sintonia, podemos afirmar que o melhor médium será sempre aquele que, entre outras aptidões, sustentar sua concentração firmemente direcionada para os objetivos do trabalho, alimentando o mais profundo desejo de auxiliar os Espíritos no que for necessário.

 

O Espírito Odilon Fernandes enfatiza:

 

Todo médium precisa reconhecer que a sintonia mediúnica é esforço do dia a dia. O transe não acontece sem uma prévia sintonia com os quais se deseja estabelecer contato. Nem mesmo a obsessão se instala de uma hora para outra. Tudo exige um preparo que anteceda este ou aquele acontecimento.

O médium que não entende que desenvolvimento mediúnico é trabalho perseverante, através de todas as suas atitudes cotidianas, não se desenvolverá a contento, estando longe de ser o cooperador consciente e responsável que os Espíritos procuram.

Não há como o médium deixar de ser médium, para levar uma vida paralela, ou seja, não há como o médium se interessar pela mediunidade apenas no momento do transe, olvidando a maior parte do tempo os seus compromissos com o Mundo Espiritual.

Desenvolvimento mediúnico, em essência, é adestramento mental. O medianeiro que interrompe com frequência dos seus contatos com os espíritos, deles isolando-se voluntariamente em suas ocupações imediatistas, terá dificuldades imensas para restabelecer no contato.

Mediunidade requisita treino, demorados exercícios, disciplina psíquica, espaço mental cedido aos espíritos, discernimento na captação dos pensamentos, união de propósitos...

(...) Em grande parte dos medianeiros, a mediunidade não deslancha porque se julgam dispensados de se cultivarem mediunicamente; acreditam equivocadamente que os Espíritos haverão de realizar todo o trabalho... Ora, nenhum médium pode ser tão passivo assim, ao ponto de acreditar que os desencarnados farão tudo por ele.

A mediunidade depende do médium, como o fruto depende da árvore que o produz. Se a qualidade do fruto está relacionada à natureza da árvore, a mediunidade, em sua capacidade de produção, se vincula ao empenho do medianeiro.

Não é fácil superar a barreira das dimensões diferentes; se o médium não se predispuser a subir, os espíritos não terão como descer. O ideal é que ambos, médium e espírito, se encontrem no meio do caminho. Todavia, quanto mais se elevar em termos de sintonia, mais o medianeiro se aproximará da fonte em seu nascedouro, usufruindo da linfa cristalina antes que, no percurso que efetue, ela se conspurque.

Em qualquer tipo de mediunidade, a questão da sintonia é fundamental.  [3]

 

O medianeiro de bons princípios, interessado na vivência do Evangelho, naturalmente atrairá a presença dos Bons Espíritos e fará jus a um redobrado esforço da Espiritualidade que, neste caso (quando o médium não consegue uma boa sintonia), poderá inclusive, lhe suprir as deficiências no transe. A um bom médium, a Espiritualidade Superior sempre preferirá um médium bom. Em termos de mediunidade, nem sempre o melhor instrumento é o mais bem aparelhado.

Portanto, a sintonia mediúnica que estamos enfatizando deve, igualmente, ser procurada nas tarefas do bem. Se, para a sintonia com os espíritos infelizes, basta ao médium uma boa condição mediúnica, para a sintonia com os Espíritos Superiores a natureza de seus sentimentos é fator preponderante, porquanto, em essência, o que se busca é a sublimação do intercâmbio. [4]

 

 

 

Silvia Helena Visnadi Pessenda

sivipessenda@uol.com.br

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

[1] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 36. ed. Araras, SP: IDE, 1995. Cap. 29 da segunda parte. Itens 331-332.

 

[2] MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998.

 

[3] FERNANDES, Odilon (espírito); BACCELLI, Carlos A. (psicografado por). Conversando com os médiuns. 3. ed. Uberaba, MG: Livraria Espírita “Pedro e Paulo”, 2001. Cap. 12. p. 42-44.

 

[4] Idem. Cap. 13. p. 46.

 

 

OLIVEIRA, Therezinha. Reuniões mediúnicas. 8. ed. Campinas: Centro Espírita “Allan Kardec” – Dep. Editorial, 2001.

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